sábado, 20 de junho de 2015


A AUSÊNCIA DE DEUS E A DESUMANIZAÇÃO 
por Antonio Vitor.

Francis Schaeffer esforçou-se para mostrar que a filosofia moderna foi a principal responsável por afastar Deus do homem, lançando a fé, na melhor das hipóteses, na esfera da experiência irracional, enquanto enjaulava a razão humana no materialismo árido. Por isso, segundo ele, a experiência religiosa do século XX era, em geral, uma experiência de "2 andares". Deus, na melhor das hipóteses, não poderia ser conhecido. Nem poderiam ser conhecidas como verdadeiras quaisquer proposições teológicas. Na pior das hipóteses, Deus não existe e "está morto", como em Nietzsche.

Como consequência disso, os homens criaram conceitos equivocados de si mesmos e do mundo. Se não podemos ter certezas dadas pela Revelação Divina, não podemos afirmar que somos Imagem e Semelhança de Deus. Com o Darwinismo, então, fortaleceu-se a visão do homem como um mero animal. Não coincidentemente, Aristóteles, que também desconhecia a Revelação Divina, considerava o homem como um "animal" social. Se não somos a Imagem da divindade, somos animais, encarcerados no mundo natural. Com as teorias behavioristas (também chamadas "comportamentalistas") da psicologia, o homem agora começou a ser visto como uma máquina biológica. Se o universo não possui um Deus pessoal, então não existe pessoalidade dentro do universo. Se tudo o que existe é matéria, não existe qualquer dignidade no homem. Em "A Morte da Razão", Schaeffer escreveu:


"(...) o homem, tendo sido criado à Imagem de Deus, foi destinado a usufruir com Ele uma relação pessoal. A relação do homem é ascensional (para cima), não apenas descencional (para baixo). Quando tratamos com pessoas do século XX [e XXI], esta diferença assume crucial importância. O homem moderno visualiza sua relação descencionalmente, em termos do animal e da máquina. A Bíblia rejeita esse conceito da natureza e sentido do homem. Do ponto de vista da personalidade, somos diretamente relacionados a Deus. Não somos infinitos, somos finitos; não obstante, somos apenas pessoas, feitos à Imagem do Deus pessoal que existe." [1] 

Os sintomas disso podem ser vistos em toda a cultura Ocidental. Estreando no Festival de Cannes de 2006, o filme Electroma, de Thomas Bangalter, protagonizado pela dupla de músicos Daft Punk, narrava a história de dois robôs em busca de sua humanidade. Assista a um trecho do filme ao som da música "Humanos apesar de tudo" [trad.: "Humanos apesar de tudo"]:





No meio do filme, o roteirista inseriu uma crítica social que é também perfeitamente coerente com os movimentos de contestação presentes na modernidade. Se Deus não existe, e se somos meramente máquinas ou animais, não existem também normas morais objetivas. Se o homem é uma máquina impessoal, também são impessoais as culturas e "tradições", e são igualmente desprovidas de propósito. Aqueles que buscam por sua humanidade, então, desconfiam ou rejeitam as tradições e toda as "formas" de ordem e construção social. Nesse momento do filme, os dois robôs deparam-se com a rejeição da sociedade em suas tentativas de atingir qualquer esboço de "humanidade". Mas as outras pessoas também são robôs. Suas regras são falsas, e por isso não parecem desejáveis quando busca-se um valor na existência. Assista a mais esse trecho, agora ao som da música "Interiormente" [trad.: "Within"]:




"Existem tantas coisas que eu não consigo entender", canta a letra. O Racionalismo moderno terminou em frustração. Seus filhos são o Irracionalismo e o Niilismo. O determinismo inicial perdeu-se diante de uma crise epistemológica. "Como sabemos que sabemos?", eis a questão. No fim, eles terminaram negando qualquer conhecimento, como em Foucault, e substituindo a verdade pela "opinião."

O que resta aos homens então? Uma opção é o hedonismo. O humanista Charles Melman, psicanalista francês considerado por muitos o "herdeiro de Freud na França", afirma que "O progresso inegável é ter aprendido que o céu está vazio, que no Outro não há ninguém e não há nada. Isso é um progresso..." [2] (36). Ele também explica os efeitos dessa ausência de Deus na cultura:


"(...) a "saúde mental", hoje em dia, não se origina mais numa harmonia com o Ideal, mas com um objeto de satisfação. A tarefa psíquica se vê  enormemente atenuada, e a responsabilidade do sujeito apagada por uma regulação puramente orgânica. (...) O século que se inicia será a suspensão deles [dos limites]: não há mais impossível. (...) Foucault, Althusser, Barthes, Deleuze, ... não proclamam mais o direito à felicidade, mas ao gozo. (...) quando se produz numa sociedade uma tal valorização do gozo, a história mostrou que devemos prever consequências, retorno das chamas que pode tomar a forma da instauração de um clima e de medidas de natureza autoritária, supostos responder, também aí, a um anseio popular. (p.17)" [3] (pág. 15)


A busca pela satisfação sem limites é aquilo que Melman chama de "nova economia psíquica" e que está presente nos movimentos humanistas da atualidade. A moral foi abolida e agora os homens vêem-se impulsionados à busca incessante pelo gozo [4]. O prazer sem limites deixa de ser regulado por normas e pela autoridade Divina, e torna-se, antes disso, um direito a ser reconhecido pelas leis. Isso está muito claro na luta do movimento LGBT pelo mundo. A "nova economia psíquica é, portanto, aquela onde a demanda pela necessidade foi substituída pela demanda pelo gozo." Se Deus não existe, a morte não é mais vista à luz do sagrado. O corpo humano não é mais tabu. Isso pode ser visto no fisiculturismo, nas exposições de arte com cadáveres reais (veja o vídeo que segue abaixo, onde a exibição de cadáveres é chamada de "arte"; essa exposição viajou o mundo inteiro e conquistou muita atenção), no exibicionismo midiático, na destruição da figura paterna, no tratamento do Outro como objeto, etc. Melman julga a confusão da contemporaneidade como o "preço a ser pago pelo progresso," e, embora ele reconheça alguns resultados indesejáveis mesmo para os humanistas, ele não abdica de seu ponto de vista e não percebe suas próprias incoerências.




Quando, pois, o homem moderno busca a sua "humanidade", em virtude da falta de base desse conceito em sua cosmovisão, ele inevitavelmente entra em choque com as normas morais e as tradições estabelecidas, e, como vemos na Ideologia de Gênero, ele entra em choque com a própria realidade. Essa seria uma luta sem fim, pois somos seres finitos vivendo em um mundo finito.

Em virtude constante insatisfação, e da impossibilidade de realizar a infinitude, o homem moderno também tem demonstrado aderir a uma outra opção: o escapismo. R. J. Rushdoony explica que é por essa razão que o budismo tem atraído tantos jovens no Ocidente, pois a salvação budista requer uma anulação da existência, pois ela é sempre sofrimento. Em The Basis of Human Dignity, Schaeffer disse que


"(...) se uma pessoa foi impulsionada pelo acaso impessoal, as coisas que fazem dele uma pessoa – esperança de propósito e significância, amor, noções de moralidade e racionalidade e beleza – são em última análise irrealizáveis e são, portanto, sem sentido. Em tal situação, o homem está acima ou abaixo? A humanidade seria a mais baixa das criaturas na escala, no mínimo, de acordo com o que a realidade é." [5]


O humanista H.J. Blackham expressou isso com uma ilustração dramática:


"Nas suposições humanistas, a vida não leva a lugar algum, e tudo o que não é pretensão, é engano. Se existe uma ponte sobre um desfiladeiro que abrange apenas metade da distância e termina no meio do ar, e se a ponte está lotada de seres humanos num empurra-empurra, um após o outro eles cairão dentro do abismo. A ponte não leva a lugar algum, e aqueles que estão pressionando tentando cruzá-la vão a lugar algum... Não importa aonde eles estão indo, que preparações para a jornada eles fizeram, nem o quanto podem estar apreciando-a. A reclamação verifica apenas, de modo objetivo, que tal situação é um modelo de futilidade." [6]
E o escapismo é a conclusão do filme de Thomas Bangalter. O homem-máquina não tem objetivo ou significado. 



Esse é o resultado do humanismo? Desumanizar o homem? A tentativa de entender o universo sem Deus conduziu à incompreensão. Não é por acaso que os países onde há mais ateus são, segundo as estatístias, os líderes mundiais no ranking do suicídio no mundo. Desde que o Ocidente começou a abandonar o Cristianismo, especialmente depois da Revolução Cultural, aumentaram os índices de depressão, adultério, divórcio, abandono familiar, etc. Schaeffer acertou ao dizer que


"(...) a atitude de superioridade contra o Cristianismo – como se o Cristianismo tivesse todos os problemas e o humanismo tivesse todas as respostas – é bastante injustificada. Os humanistas do Iluminismo dois séculos atrás pensavam que encontrariam todas as respostas, mas, com o passar do tempo, essa esperança otimista foi provada falsa. São seus próprios descendentes, aqueles que compartilharam sua cosmovisão materialista, que têm dito mais e mais alto com o correr dos anos, que não existem respostas finais."[7]

A atitude essencialmente idólatra do homem para com sua própria Razão é denunciada claramente nas Escrituras. A razão humana não é objeto de culto. Essa idolatria é, na verdade, uma perversão da natureza criada por Deus. Não foram Adão e Eva quem desejaram conhecer o Bem e o Mal sem Deus? Levantando-se contra Deus, os filósofos humanistas deveriam reconhecer toda a sua nudez, toda a sua necessidade e perdição.


"Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos." (Romanos 1:22) 


Somos nós, Cristãos, quem temos a obrigação de redimir a cultura Ocidental.

Por Antonio Vitor.
Soli Deo Gloria.

1. Francis Schaeffer, A Morte da Razão, 12.
2. Charles Melman, O Homem Sem Gravidade: Gozar a Qualquer Preço (Rio de Janeiro-RJ: Companhia de Freud, 2008), 36.
3. Ibid., 15, 17, 44.
4. Ver Glossário em ibid., pág. 204. "GOZO: Quando o termo é empregado por analistas, não se deve entendê-lo em sua acepção usual, ainda que nem por isso esteja dissociado dela. (...) Com efeito, o gozo está além do prazer."
5. Francis Schaeffer, The Basis of Human Dignity. Originalmente, trata-se de um documentário, mas esse trecho foi traduzido de uma transcrição do mesmo.
6. Citado por Francis Schaeffer, ibid.
7. Ibid..

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