sexta-feira, 17 de junho de 2022

Van Til: Paulo em Atenas; Paulo não se submete à sabedoria grega.



Em apenas quinze páginas Van Til fornece uma interpretação da apologética paulina que é impossível de ser julgada pela maior parte das pessoas. A tese defende que Paulo jamais submeteu sua apologética à sabedoria humana que os gregos buscavam (1 Cor 1:22) e que é essencialmente diferente da sabedoria de Deus, "porquanto a sabedoria deste mundo é loucura para Deus" (1 Cor 3:19). As duas pressuposições básicas são (1) a antropologia paulina [e vantiliana] e (2) as diferenças entre as duas cosmovisões. Ambas as pressuposições estão relacionadas.


Van Til defende que Paulo só distingue duas categorias gerais na humanidade: mantenedores do Pacto e quebradores do Pacto.

Os mantenedores do Pacto têm a epistemologia regenerada, com o princípio cristão de submissão à Palavra no coração de sua teoria do conhecimento; e os quebradores do Pacto, que rejeitam a Palavra e têm no coração as mais diversas manifestações do princípio não-cristão originado no Pecado Original. 


Os quebradores do Pacto chegarão inevitavelmente a uma cosmovisão internamente inconsistente e radicalmente (de "radical", "raiz") diferente da cosmovisão dos mantenedores do Pacto. 


Primeiro, os gregos seriam ao mesmo tempo monistas e pluralistas, indo contra a diferenciação radical entre o Ser de Deus e os seres criados. O Motor Imóvel de Aristóteles, o ser supremo de Platão e quaisquer outras cosmovisões que parecem ter pontos de contato com o Deus cristão na verdade ignoram a ontologia bíblica radical. 


Segundo, para os gregos, o universo é ultimamente misterioso, inqualificável, porquanto inconhecível, assim como a infinitude. Sendo criaturas finitas, os seres humanos só podem interpretar o universo finitamente. 


Terceiro, a ideia de Revelação era estranha à mente grega, que tem no ser humano a autoridade final de sua própria experiência finita. A Revelação vem do infinito, que era inconhecível. 


Quarto, a ressurreição, enquanto vista como curiosidade possível no universo, era para eles tolice como apresentada pelo apóstolo. A ressurreição talvez fosse um passo evolutivo neste universo misterioso. Mas Paulo não pregou uma curiosidade para mentes naturalistas e imanentistas; pregou, antes a crucificação do Verbo encarnado que criou o mundo e é majestade sobre a humanidade. Para Van Til, Paulo fez entre os atenienses o equivalente ao que ele fez em Listra, não aceitando que o Deus verdadeiro fosse confundido com o produto da "sabedoria" dos gregos, que também era vaidade. O apóstolo não apelou ao ser supremo de Platão ou ao Motor Imóvel de Aristóteles, mas ao "deus desconhecido"; e se o Deus verdadeiro era para eles desconhecido, e se a realidade era inconhecível, nenhuma sabedoria verdadeira lhes restava. A ressurreição não poderia ser interpretada imanentisticamente. Se para eles o universo é misterioso, eles deveriam admitir que toda a sua religião era vã. Mas o Deus verdadeiro, que é infinito e que tudo conhece, revelara a Si mesmo. Se a finitude era a desculpa para seu erro, o Deus verdadeiro resolveria o problema, fazendo de todo homem "inescusável".Se Paulo apelou aos poetas gregos, foi para que eles reinterpretassem aquelas palavras para aceitar o Deus verdadeiro.



sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

RUSHDOONY E OLAVO DE CARVALHO: É possível comparar?


 RUSHDOONY E OLAVO DE CARVALHO: É possível comparar?


Na verdade, sim. Talvez um leitor de Rushdoony sinta-se ofendido por minha afirmação, mas tentarei demonstrar que a comparação não é descabida.


Como afirmei antes, estou convicto de que Rousas J. Rushdoony é superior a Olavo de Carvalho. Não afirmo isso levianamente, ou tendenciosamente, por Rush ser calvinista (embora, por ser calvinista, ele já estivesse automaticamente mais correto).


Muitos dos temas, e inclusive autores, nos quais Olavo trabalhou, Rushdoony também trabalhou, com décadas de antecedência. Ambos falaram de filosofia da história; interpretação da história do pensamento; interpretação da história do Ocidente com foco na modernidade; ciência política; revolução; sociologia; etc.



Sabe essa bibliografia que Olavo de Carvalho trouxe ao Brasil? Rushdoony já discutia há várias décadas atrás. Russel Kirk, Edmund Burke, Mises, Eric Voegelin, Christopher Dawson, Gertrude Himmelfarb, Christopher Heer, e muitos outros - para falar dos mais banais. Os únicos autores que o professor da Virgínia trouxe ao Brasil que eram desconhecidos por Rousas não são os mais contemporâneos, como Louis Lavelle e René Girard. 


A erudição de Rousas, porém, era maior. A lista de autores com os quais ele trabalhou é muito maior. E eu não desejo com isso alimentar desprezo por de Carvalho. Ele teve méritos e estava acima, muito acima, da média brasileira.



Rushdoony dizia-se "pupilo" de Eugen Rosenstock-Huessy, com quem chegou até a trocar cartas. Olavo baseava-se explicitamente em Eric Voegelin. O brasileiro tinha consciência de que esses dois autores, Rosenstock-Huessy e Voegelin, em alguma medida, eram incompatíveis. Se um estava certo em sua visão panorâmica, o outro estava errado. E ambos os autores alemães tinham a mesma angústia em suas almas: entender como o mundo ocidental pôde degenerar nas duas Guerras Mundiais.


Olavo conhecia alguma coisa de Rosenstock-Huessy - não sei até onde. Ele trabalhou pessoalmente na edição brasileira do livro, "A Origem da Linguagem". A discordância entre este autor e o escolhido pelo brasileiro, contudo, se torna mais grave em outro livro, "Out of Revolution". 


Rosenstock-Huessy era um erudito. Quando foi para os EUA, a universidade que o recebeu simplesmente não sabia o que fazer com ele. Seu trabalho envolveu filosofia da linguagem, sociologia, teologia e história. Onde ele trabalharia? Considero-o como o maior dentre os intelectuais influenciados por Karl Barth naquela época. Voegelin também foi influenciado por Barth, embora, do meu ponto de vista, com muito menos maestria. Enquanto o primeiro defendia a ideia de uma visão de futuro cristã como fundamental para o Ocidente, o último era avesso a qualquer interpretação que não fosse meramente existencialista (ou uma mistura de cristianismo e existencialismo) da história. Em outras palavras, a escatologia de ambos era diferente. Rushdoony criticou explicitamente Eric Voegelin. A escatologia da qual Rosenstock-Huessy e seu pupilo se aproximavam era condenada por Voegelin, ao menos aparentemente*. [Escatologia é importante para filosofia da história.]


Anos atrás, Olavo fez uma declaração dizendo que o primeiro revolucionário foi o papa, creio que durante uma apresentação em vídeo. Me pergunto se, neste caso, não testemunhamos uma reavaliação dos textos de Huessy pelo professor, pois Eugen considerou a Reforma Papal de Hildebrando como a primeira de todas as revoluções ocidentais, pela qual todas as outras são mais adequadamente interpretadas. Não posso afirmar com certeza. se houve essa reavaliação. Provavelmente não. Talvez tenha sido apenas um reconhecimento de alguns insights de Rosenstock-Huessy. Ou talvez a declaração do professor da Virgínia não tivesse nada a ver com este autor de forma alguma. Apenas especulo.


Infelizmente, por causa do Olavo, como mérito e demérito ao mesmo tempo, fomos bombardeados pelo pensamento de Voegelin, que é finalmente incompatível com o cristianismo legítimo. Rushdoony está chegando. E, dizem as boas línguas, Rosenstock-Huessy também.

Antônio Vitor.

[Nota: *Voegelin tendia a dividir a escatologia em amilenismo e milenarismo(s), sem distinguir entre pré-milenismo e pós-milenismo. A divisão de Voegelin parece ser uma tendência mais influenciada por autores católicos. São os reformados e evangelicais que tendem a dar uma nuance maior entre pós e pré-milenismo. Penso que a visão mais condizente com a "secularização escatológica" denunciada por Voegelin se identifique mais corretamente como uma forma de "pré-milenismo" deformado, enquanto Rushdoony e Rosenstock-Huessy estivessem mais próximos do "pós-milenismo".]