A REVOLUÇÃO CIVIL - PARTE 4
por R. J. Rushdoony.
Com o Iluminismo, a confiança na razão começou a tomar o lugar da fé Cristã e da Revelação. Primeiro, à Revelação era dado um lugar no esquema de coisas como necessária para as coisas pertencentes a Deus que estavam além da razão. Com o passar do tempo, o reino limitado do Cristianismo e da verdade revelada retrocederam, e a razão clamou por jurisdição total.
Esse desenvolvimento tem raízes na filosofia grega. Tanto para Platão quanto para Aristóteles, o pensamento teórico pertencia ao reino eterno das ideias, de forma e ser. "O deus aristotélico era puro pensamento teórico, o equivalente da forma pura. Sua contraparte absoluta era o princípio da matéria, caracterizada pelo movimento sem forma e eterno ou vir-a-ser." [1]
A influência de tal pensamento tem sido muito forte nos séculos Cristãos e deformado a igreja em boa parte de sua história. Se alguém assume que o reino das ideias é o reino divino, então à medida em que o homem torna-se mais racional em todos os seus caminhos, ele aproxima-se do reino abstrato e definitivo do ser. Ele pode então tornar-se um filósofo-rei que traz a razão e o estado juntos para estabelecer a verdadeira justiça. Desde o Renascimento, e novamente com o Iluminismo, o ideal de filósofo-rei era comum entre pensadores humanistas e legisladores. Acreditava-se que o reino da razão e da liberdade, então aquela tensão dialética seria necessariamente contra a natureza, e a lei da razão como liberdade. Foi nesses termos que Karl Marx viu a esperança da humanidade em uma transição do reino da necessidade para o reino da liberdade, i.e., para o reino criado pelos líderes intelectuais dos trabalhadores.
Dooyeweerd descreveu adequadamente as implicações disso em Immanuel Kant (1724-1804):
"Como Rousseau, Kant deu prioridade religiosa ao motivo religioso da liberdade do ideal de personalidade moderno. A liberdade, de acordo com Kant, não pode ser comprovada cientificamente. Para ele, a ciência está sempre vinculada à experiência sensorial, à 'realidade natural' como entendida no contexto limitado das próprias concepções de Kant. Liberdade e autonomia da personalidade não residem na natureza sensorial. São ideias práticas da 'razão' de uma pessoa; a realidade suprassensorial continua a ser uma questão de fé." [2]
Como Dooyeweerd deixou claro, isso não era menos do que religião, não menos do que fé, do que o Cristianismo, enquanto radicalmente oposto a ele.
À medida em que essa fé na Razão desenvolveu-se, algumas nuances vieram à luz. Era uma fé muito harmonizada ao pensamento evolucionário grego, à visão do universo material, nas palavras de Dooyeweerd, como "movimento sem forma e eterno do vir-a-ser." [3] É a Razão que dá forma e direção a esse vir-a-ser, como Hegel viu. Consequentemente, Hegel formulou a doutrina da evolução cultural onde o estado torna-se a expressão central da Razão, Geist, ou Espírito, quando ele realiza essas ideias em forma material. Para Hegel, de acordo com Bussel, "A evolução é da Razão inconsciente para a Razão auto-compreensível, pela lei ou fórmula dos três estágios." (Esses três estágios, como Auguste Comte formulou-os em detalhes posteriormente, são a teológica ou fictícia; a metafísica ou abstrata; e a científica ou positiva). [4]
Esse é um desenvolvimento lógico. Se o estado Prussiano de Hegel era a expressão da Razão, inclusive, sua encarnação nos dias de Hegel, então a realizada Razão do estado era uma Razão inconsciente nas eras anteriores a Hegel e ao estado Prussiano. Tal perspectiva muda muito da sabedoria e Razão da mente consciente para a mente inconsciente. Nas palavras de Bussel, "Que nós possamos não repetir com significado exagerado: 'A coruja de Minerva toma seu vôo apenas quando os tons da noite estão se ajuntando.'" [5]
Quando Bussel escreveu, o trabalho de Sigmund Freud ainda não havia ganhado o prestígio internacional que lhe foi subsequente. Isso estava, entretanto, claramente na linha de pensamento grego de Kant e Hegel. Para a supremacia da Razão, Freud substituiu a supremacia da Razão inconsciente. Mas isso não foi tudo. Sem usar a palavra infalibilidade, Freud viu o inconsciente como infalível.
No reino civil, tal pensamento fundamentou a irracionalidade do estado moderno; o estado ainda era a encarnação da Razão, mas ele era agora um desenvolvimento da Razão científica, uma sociedade em planejamento em vez de uma ordem planejada. Desde que o futuro requereu uma modelagem em termos evolutivos, desenvolvendo a natureza das coisas, este futuro era uma parte do desconhecido, um aspecto do inconsicente social e científico.
Em resumo, nós podemos então dizer que a Revolução Civil tornou-se o triunfo do inconsciente. A justiça não governa mais o verdadeiro estado moderno mas, antes, o desenvolvimento da política social. Por isso tais considerações racionais como afirmações equilibradas são rejeitadas. A realidade presente deve dar caminho para a realidade futura, a Razão lógica para a Razão inconsciente. Uma parte dessa inclinação é a demanda por líderes políticos carismáticos que podem, como Hitler e Roosevelt, apelar à Razão inconsciente dos homens.
Em todo esse tipo de pensamento, o estado é soberano, e é a voz da Razão, ainda que a Razão esteja inconsciente e evoluindo. Como um resultado, o estado mdoerno está tornando-se cada vez mais a expressão da não-razão. Os caminhos do estado moderno estão cada vez mais ultrapassados!
A Revolução Civil desenvolveu-se então para um grande dilema. Ela vê o estado como soberano, e como Razão, mas aquela Razão agora é inconsciente. Nós somos deixados com uma soberania inconsciente e assustadora.
Na fé Bíblica, nas palavras de Elazar,
"Nenhum estado - uma criação humana - pode ser soberano. Classicamente, apenas Deus é soberano e Ele confia o exercício de seus poderes soberanos mediados pela Torah - como constituição para as pessoas como um todo." [6]
Esse desenvolvimento da Revolução Civil, e sua descristianização do Ocidente, tem sido ocasionado pela retração da igreja tanto quanto pelaa ofensiva humanista. D. V. Segre citou o professor Nathan Rotenstreich, do Departamento de Filosofia na Hebrew University, dizendo em 1959 que,
"Para ele, o fato de que isso (o Sionismo) ganhou um lugar no curso ordinário do dia-a-dia dos eventos históricos, significa que nesse momento - não especificado -, duas ou três gerações atrás, o fato da história 'deixou de ser história Cristã no sentido específico do termo e tornou-se a história política das nações e dos blocos políticos.'" [7]
O problema, contudo, é mais profundo do que duas ou três gerações atrás. Os homens solicitaram a solução para todos os tipos de problemas fora da religião, por exemplo, o problema da "insanidade" foi rastreado para a inatividade ou hiperatividade mental e a partir disso os frenologistas argumentaram contra a inatividade e hiperatividade mental. Em outras palavras, a questão não era moral, mas fisiológica. Escritores eruditos e populares também santificaram tal pensamento. Nas palavras muito esclarecedoras de Cooter,
"A moralidade não era mais providência exclusiva da teologia; as leis da fisiologia estavam agora para compartilhar a administração e com uma indisputabilidade ainda maior. Convenientemente e copiosamente, o Reverendo John Barlow incorporou essa defesa de moralidade em Man's Power over Himself to Prevent or Control Insanity (1843). Citando de Conolly que "aqueles que mais exercitam as faculdades de suas mentes são menos sujeitos à insanidade," ele adicionou que "um cérebro fortalecido pelo exercício racional... tem pouca probabilidade de ser atacado por doença... e então a maior parte do mal é removido." [8]
A igreja estava disposta a recuar ao reino "espiritual", ou, para ser mais preciso, para a irrelevância. A autoridade foi manejada para as ciências e para o estado em uma área após a outra:
"Em um tempo de confissão religiosa decadente e crescimento reverente para a ciência, físicos muito conscientemente ofereceram direção nas questões comportamentais que, como alguém explicou, 'o costume dos séculos erroneamente confiou exclusivamente à profissão de teologia.'" [9]
A igreja, contudo, não tem direito de desistir do que pertence a Deus. Ela tem um dever de reclamar cada área para Cristo. Por causa de seu retrocesso, agora, como sempre, "Porque já é tempo que comece o julgamento pela casa de Deus: e se ele começa por nós, qual deverá ser o fim daqueles que são desobedientes ao evangelho de Deus?" (1 Pe 4:17).
(Artigo extraído de "Sovereignty", de Rushdoony. Págs. 277-281)
1. Herman Dooyeweerd, Roots of Western Culture (Toronto, Canada: Wedge Publishing Foundation, 1979), 34. [N.doT., no Brasil: Raízes da Cultura Ocidental, ed. Cultura Cristã, 49.]
2. Ibid., 171-72. [N.doT.: ibid., 194.]
3. Ibid., 34. [N.doT.: ibid., 49.]
4. F. W. Bussell, Christian Theology and Social Progress (London, England: Methuen, 1907), 119-20.
5. Ibid., 123.
6. Daniel J. Elazar, "Introduction," in Daniel J. Elazar, ed., Kinship and Consent: The Jewish Political Tradition and Its Contemporary Uses (Washignton, DC: University Press os America, 1983), 6.
7. D. V. Segre, "The Jewish Political Tradition as a Vehicle for Jewish Auto-Emancipation," in ibid., 295.
8. Robert Cooter, "Phrenology and British Alienists, ca. 1825-1845," in Andrew Scull, ed., Madhouses, Mad-Doctors, and Madmen: The Social History of Psychiatry in the Victorian Era (Philadelphia, PA: University of Pensylvania Press, 1981), 79.
9. Barbara Sicherman, "The Paradox of Prudence: Mental Health in the Gilded Age," in ibid., 218.
Rev. R. J. Rushdoony (1916-2001) foi o fundador do Chalcedon e um teólogo influente, especialista na relação entre Igreja e Estado, e autor de numerosos trabalhos relacionados à aplicação da Lei Bíblica na sociedade.
Tradução por Antonio Vitor.
Essa tradução foi autorizada por Mark Rushdoony, filho de Rousas John Rushdoony.
Soli Deo Gloria.
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