sábado, 30 de maio de 2015


A REVOLUÇÃO CIVIL - PARTE 3
Por R. J. Rushdoony.

James Barros, em No Sense of Evil: The Espionage Case of E. Herbert Norman (1986), conta a história de um Marxista canadense. Norman estava conectado com a rede de espionagem na Universidade de Cambridge, que incluía Anthony Blunt, Guy Burgess, Donald Maclean, e Kim Philby. A despeito de algumas conexões conhecidas de Norman, ele continuou a apreciar da confiança de homens em altas posições, notavelmente Lester Pearson.

A preocupação de Barros era entender por que isto era possível. Norman e outros tinham um fundo de modernismo religioso e o evangelho social. Porque as agências americanas estavam investigando Norman, ele cometeu suicídio em 4 de abril de 1957, porque a exposição pública, não o senso de pecado ou culpa, era o maior medo que espreitava-o.

O problema básico de Norman, como aquele de muitos homens que confiaram nele apesar de suas conexões dúbias e seu Marxismo, era a falta de senso do pecado e do mal, então aqueles homens religiosamente assumem que sua motivação é boa, e que suas intenções são benéficas. Eles são portanto ignorantes sobre si mesmos e sobre os outros.

Essa ilusão sobre o homem é básica para a Revolução Civil. Com a Renascença e então com o Iluminismo, os homens viram a si mesmos, não como pecadores, mas como deuses em potencial, como gigantes sobre a terra. Grandes coisas seriam realizadas pelo homem liberto das barreiras de uma Cristandade "repressiva". O homem, ao invés de ver-se a si mesmo como um pecador necessitado da salvação de Deus através de Cristo, estava vendo a si mesmo como o autor que estabeleceria uma prodigiosa nova ordem mundial através do estado, junto com a ciência. A Revolução Civil então rebelou-se contra a doutrina do pecado original e da sangrenta expiação de Jesus Cristo. John Locke negou o pecado original, o que significava implicitamente tornar a expiação desnecessária.

O estado coerentemente mudou de fundamentos. Para o Cristianismo, o estado era um ministro sob Deus, um diaconato. Seu chamado é para administrar a justiça, i.e., a Lei de Deus. O estado então tem um dever de ser justo no intuito de administrar a justiça. Na visão moderna, esse dever foi negado porque, em vez de um dever de ser justo, o estado é visto como a justiça encarnada. Quanto mais humanista é o estado, mais claramente ele é identificado com justiça, e mais claramente a justiça torna-se um monopólio estatal. O estado socialista desenvolvido, portanto, insiste em um monopólio sobre a justiça, governo, educação, educação, medicina e muito mais.

Em tal estado, o evangelho social floresce como o servo do estado. O evangelho social é realmente um evangelho civil; ele defende a salvação pelo estado e suas leis, e sua esperança muda de Deus para o estado. Isso tem um impacto maior sobre sua doutrina da expiação. Nos anos 30, um pastor que adotou o evangelho social começou a pregar também contra a doutrina ortodoxa da expiação de Cristo; ele ridicularizou a linguagem usada por outros antes que precederam-no, chamando de "teologia de açougue" a pregação da expiação pelo sangue de Cristo. Esta justaposição do evangelho social ou estatal e a condenação da doutrina da expiação pelo sangue era lógica e essencial. Se a salvação é um ato do estado, o trabalho de homens que eram essencialmente bons e que se unem para criar um mundo melhor, procurar uma mudança no homem através da expiação de Cristo antes de procurar no evangelho civil é não apenas falso, mas ilusório. Como um resultado, quando a revolução civil floresce, o Cristianismo está sob ataque.

No Salmo 43, o salmista ora a Deus por justiça contra uma nação descrente, dizendo: 


1. Faze-me justiça, ó Deus, e pleiteia a minha causa contra a nação ímpia. Livra-me do homem fraudulento e injusto.
2. Pois tu és o Deus da minha fortaleza; por que me rejeitas? Por que ando lamentando por causa da opressão do inimigo?
3. Envia a tua luz e a tua verdade, para que me guiem e me levem ao teu santo monte, e aos teus tabernáculos.
4. Então irei ao altar de Deus, a Deus, que é a minha grande alegria, e com harpa te louvarei, ó Deus, Deus meu.
5. Por que estás abatida, ó minha alma? E por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, o qual é a salvação da minha face e Deus meu.

O salmista vê injustiça em todo o redor, na igreja e no estado também. Sua necessidade de ser conduzido ao "santo monte" e aos tabernáculos de Deus é devida à expressão visível da corrompida adoração a Deus. Como consequência do fato de a nação e seu povo, civil e eclesiástica, ser de homens corruptos e não-redimidos, sua esperança não pode estar neles. Ele diz a si mesmo, "Espera em Deus", i.e., como contra a igreja e o estado.

A interpretação do "evangelho social", claro, é diferente. Então, The Interpreter's Bible viu este salmo como uma prece pela defesa contra "inimigos através da purificação e restauração da adoração no Templo." [1] Os advogados do evangelho civil estão prontos para ver um estado fascista como mal, mas não um estado verdadeiramente socialista e democrático. O pecado, de qualquer forma, não é um monopólio da esquerda ou da direita, mas comum a todos os homens.

Mais do que isso, o evangelho civil insiste em reduzir a expiação de Cristo, na melhor das hipóteses, a um exemplo moral de auto-sacrifício pela causa humana. Consequentemente, a doutrina ortodoxa é descrida como moralmente errada. Os Unitaristas sem seus anos recentes eram especialmente enfáticos:


"Cristo nos salvou, tão longe quanto seus sofrimentos e morte são considerados, através de sua influência moral e poder sobre o homem; o grande apelo que eles fazem, não para Deus, mas para a consciência e o coração do pecador; então auxiliando-o no grande trabalho de trazê-lo à reconciliação ou reconciliando-o com seu Pai nos céus... A reconciliação é realizada por Cristo; por tudo aquilo ele era e é; tudo o que ele ensinou, fez e está fazendo; e através de tudo o que ele sofreu por nossa causa. Não por uma coisa apenas, mas por tudo isso nós somos salvos." (Farley, Unitarism Defined, 1860). O sacrifício de Cristo não foi feito para Deus, porque Ele não precisa ser propiciado ou misericordiosamente redimido, mas simplesmente com referência ao homem apenas, para seu bem; a justiça de Deus não precisa de pacificação. "Não pode haver maior ou mais cegante heresia do que aquela que ensinasse que o sacrifício de Cristo, ou qualquer sofrimento em favor de virtude e pecados e tristezas humanas, é estritamente substitutivo, ou literalmente vicário. As antigas teologias, perplexas e obscurecidas pela lógica metafísica e escolástica - fruto do orgulho acadêmico e do amor pelo domínio eclesiástico - laboraram para provar e ensinar que Cristo, em sua pequena agonia sobre a cruz, realmente sofreu as dores do pecado e aborreceu a verdadeira totalidade de toda a angústia do remorso e da culpa por miríades de pecadores, através das eras da eternidade... Nosso senso de justiça e bondade ,tanto quanto Deus em si mesmo são considerados, é vastamente mais chocado pelas penalidades apropriadas do pecado sendo colocadas sobre o inocente antes deles terem sido deixados com suas culpas, onde elas pertencem... A verdade é, a substituição literal das penalidades morais é uma coisa absolutamente impossível! Punição vicária, em seu sentido técnico e teológico, é proibida exatamente pelas leis de nossa natureza e constituição moral." (Bellows, Restatements of Christian Doctrine.) [2]

Esse era o ponto repetidamente levantado, que a expiação vicária era moralmente errada porque ela pune o inocence pelos pecados dos culpados, i.e., Cristo sendo punido para redimir os homens pecadores. O evangelho civil, contudo, não abandonou o sofrimento vicário e a expiação de um inocente: ele meramente transferiu isso de Cristo para todos os homens que devem agora sofrer. Para ilustrar, uma alta porcentagem de cidadãos americanos nos anos 80 são descendentes de imigrantes que vieram para os EUA depois de 1865 e viveram, até anos recentes, em áreas sem quaisquer negros. Aqueles americanos cujos antepassados estavam aqui antes de 1865 contam-se aos milhões, cujas famílias enviaram um homem para a União em 1861; alguns perderam suas vidas. É tudo a mesma coisa, o evangelho civil e social insiste em advogar que a culpa pela escravidão negra está sobre todos os americanos brancos. Eles devem pagar impostos em reparação; eles devem sentir culpa pelos pecados do passado, e assim por diante, a despeito do fato de que muitos daqueles imigraram de tiranias inefáveis para os Estados Unidos, trilhado sua saída das favelas em poucos anos, e fizeram muito para ajudar outros. A expiação humanista demanda sofrimento vicário, bem como um pagamento monetário. Alguns negros lutaram pela liberdade; uma quantidade muito maior de brancos o fizeram, e morreram por isso.

A expiação vicária de Cristo e o poder da regeneração fazem do homem culpado e pecador uma nova criatura. O sofrimento vicário imposto pelo estado não tem poder regenerador; em vez disso, ele destrói aqueles que ele pune tanto quanto aqueles que ele procura ajudar. A expiação estatista é destrutiva, não regenerativa, porque o estado é um falso salvador. Como Machen observou no começo desse século [séc. XX],


"A Graça de Deus é rejeitada pelo liberalismo moderno. E o resultado é escravidão - a escravidão da lei, a cadeia miserável pela qual o homem compromete-se com a tarefa impossível de estabelecer sua própria justificação como uma base para a aceitação de Deus. Isso pode parecer estranho à primeira vista que o 'liberalismo', cujo nome significa exatamente liberdade, deveria na verdadade ser miserável escravidão. Mas o fenômeno não é realmente estranho. A emancipação da vontade abençoada de Deus sempre envolve a cadeia a alguma tarefa maior." [3]

A história do movimento do evangelho social ou civil e suas contribuições para a ascenção da tirania precisam ser registradas; na antiga Rússia, na Alemanha pré-Nazista, e em qualquer lugar do Ocidente onde essa fé humanista tenha precedido a ascenção do estatismo.

Uma das caricaturas que já foram comuns feitas por céticos a respeito da teologia Cristã era sua ostensiva incompreensibilidade. Nos anos 30, Harold Anson, Mestre do Templo, falou de sua frequência como estudante na capela de leituras em Clifton pelo dirigente:


"Eu imagino que devem ter sido cerca de seis dessas (leituras), e eu esperava, de tudo o que eu vim conhecer sobre aquele homem memorável, que elas eram admiáveis. Ai de mim que tudo o que eu posso lembrar é que ele nos falou que nós não precisávamos acreditar no Credo de Atanásio e que esse Credo não era usado em nossa Escola da Capela, mas que se o Bispo o obrigasse a usá-lo, ele seria cantado como um hino. Isso pareceu-me um caminho tão ingenuo de evadir-se de um dogma, que sempre me vem à memória. Eu acho que devo ter um desgosto hereditário pelo Credo de Atanásio. Minha mãe sempre ficou em silêncio quando ele era repetido. Meu avô, Cuthbert Ellison, um personagem excêntrico, eu imagino, costumava dizer em alto e bom som quando aquele Credo estava sendo recitado, 'O Pai incompreensível, o Filho incompreensível, o Espírito Santo incompreensível, e a coisa toda incompreensível!'"

Anson, um homem gentil, simplesmente deu voz a uma fé vaga que não tem nem claridade nem verdade verdade; sua teologia, entretanto, era compreensivel porque ela era tão deficiente e vazia. O estado moderno e suas leis, contudo, tornou-se progressivamente incompreensível. Porque Deus é infinito, onipotente, eterno, onisciente, e mais, Ele é necessariamente tão além de nossas mentes limitadas, criadas, e temporais que Ele é incompreensível para nós, embora Ele revele-se verdadeiramente em Cristo e em sua Palavra escrita. Ele conta-nos, "meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos" (Is 55:8). A incompreensibilidade de Deus reside em Sua transcendência. A incompreensibilidade do estado é aparente a qualquer um lendo atos do Congresso, formuários de imposto, e mais, mas ela é a incompreensibilidade da estupidez, avareza, e frequentemente do mal, não de um status superior. Todos os falsos deuses morrem, quando os homens começam a olhar sobre eles com repugnância moral.

A Revolução Civil começou como uma forma de redenção para o homem, como um significado a respeito da verdadeira ordem pelo homem bom e racional. Ela tornou-se, em vez disso, o opressor do homem e uma fonte de desordem. À medida em que os homens tornam-se membros vivos da ordem de Deus, a Revolução Civil desvanece.

(Artigo extraído de "Sovereignty", de Rushdoony. Págs. 270-276)

1. William R. Taylor, "Psalms", in the Interpreter's Bible, vol. 4 (New York, NY: Abingdon Press, 1955), 225.
2. John F. Hurst, History of Rationalism (New York, NY: Carlton & Porter, 1866), 550-51.
3. J. Greshan Machen, Christianity and Liberalism (Grand Rapids, MI: Eerdmans, [1923] 1946), 144.
4. Harold Anson, Looking Forward (London, England: Religious Book Club, n.d.), 54.

Rev. R. J. Rushdoony (1916-2001) foi o fundador do Chalcedon e um teólogo influente, especialista na relação entre Igreja e Estado, e autor de numerosos trabalhos relacionados à aplicação da Lei Bíblica na sociedade.

Tradução por Antonio Vitor.

Essa tradução foi autorizada por Mark Rushdoony, filho de Rousas John Rushdoony.

Soli Deo Gloria.

Nenhum comentário:

Postar um comentário