domingo, 7 de junho de 2015


A REVOLUÇÃO CIVIL - PARTE 6
por R. J. Rushdoony.

Voltaire foi divulgado como um grande cético e como uma grande inteligência; está evidente que ele era cínico a respeito do Cristianismo e da igreja, ainda que ele tenha recebido apenas o bem dos jesuítas que educaram-no. [1] Ele considerou o canibalismo mais racional do que o Cristianismo [2] De fato, quase tudo o que era "natural", para Voltaire, era mais racional do que uma religião que pôs uma ordem natural como prioridade em relação à natural, e Deus como Senhor sobre tudo. O estatismo era então uma ordem lógica para Voltaire; para ele, Luís XIV fazia mais sentido do que Jesus Cristo. 

Voltaire era um escritor fácil e superficial, mas ele produziu um grande impacto em seu tempo e em muitas mentes desde então. A razão é religiosa. Alexander Murray escreveu sobre as "imagens quebradas" (termo de T.S. Eliot) que marcam nosso tempo: 


"A sociedade Cristã medieval... é nossa ancestral. Ela nos legou muitas imagens, quebradas e não quebradas. E entre as quebradas está a visão de natureza que admite - intercalada com aquelas leis naturais que nós vemos dias após dia trazer nossos aviões a jato seguramente em suas faixas de radar - a manifestação direta e a intervenção do Deus de Jacó." [3]


Exatamente. O governo de Deus não é mais visto como um fato muito presente. Os homens não encontram mais forças na providência inescapável de Deus. Um resultado disso é a covardia. Se os homens não tem temor de Deus, eles terão medo dos homens. Em Junho e Julho de 1988, Ford e Andrea Schwartz de San Jose, California, pertencentes a uma igreja Cristã, circularam uma petição que pedia um para um hospital religioso, pertencente à igreja Cristã, que parasse de praticar aborto ou que abdicasse de seu nome Cristão. Algumas pessoas tiveram medo de assinar. Então, um treinador de atletismo, ostensivamente Cristão, sentiu que não seria "sábio" para ele assinar e exigiu o mesmo de sua esposa, que tremeu e recusou.

Davi diz a respeito do fraco, "Não há temor de Deus diante de seus olhos" (Salmos 36:1), e Paulo cita isso como a descrição de um ímpio (Rm 3:18).

Um segundo resultado é o estatismo. Quando os homens não têm temor a Deus, eles temem o estado, porque é o poder em que eles acreditam e que conhecem. Suas esperanças estão no estado. Bussel observou, em 1896,


"Nós estamos passando por um período de transição (a desculpa usual!), e, talvez, não tenha descartado nem um pouco as antigas crenças do Iluminismo, de que a felicidade pode ser assegurada por um ato do Parlamento, e que o maior exercício da Razão humana está tanto na eleição anual de oficiais, ou na descoberta de alguma conveniência carnal." [4]


O homem e o estado eram as realidades básicas, por trás das quais a fé era a crença minguante no Deus da Escritura. Para Ralph Waldo Emerson, que influenciou Friedrich Nietzsche, o estado como a realidade presente deveria educar os "homens sábios." Em seu "Essays on Politics", Emerson viu o futuro em termos do "homem sábio" (singular), quem Nietzsche chamou de Super-homem. Emerson disse, "com a aparência do homem sábio, o estado expira... O homem sábio é o estado... ele é valor... Sua relação com o homem é angelical..."[5] Em tal visão de mundo, o Summum Bonum, o bem maior, é tanto o homem quanto o estado. Estas são as duas "realidades", porque a Deus foi negado o status de "realidade."

Não há então a escadaria de Jacó, não há governo e comunhão entre o céu e a terra. Para a Revolução Civil, não existe lei além do estado. Se os valores vêm tanto do homem quanto do estado, então no nível do fator de governo é, "minha vontade seja feita." Tanto o indivíduo quanto o estado demandam o reconhecimento de seus direitos soberanos. Cada classe no estado procura seus "direitos soberanos" a custo de todos as outras.

Sem a lei de Deus, a vontade do eu torna-se a premissa que regula cada esfera da vida. A sociedade muda sua ênfase de deveres morais para "direitos" civis. Todas as classes procuram por vantagens, não justiça, embora suas vantagens sejam promovidas ao satus de justiça.

Cada vida do homem, e cada sociedade, tem o centro de gravidade que é a base da força de todo o seu ser. Este centro de gravidade pode ser vantagem econômica, prazer, preocupações raciais, e uma variedade de outros motivos. Pode ser também o Deus Triúno. Desde o Iluminismo em particular, o centro de gravidade do mundo Ocidental, e agora do mundo todo, mudou de Deus para o homem, e da igreja para o estado. O mundo tornou-se menor, para muitos homens, não há céu e não há inferno. Porque para eles não há Deus, cuja justiça e lei governam absolutamente todas as coisas, não há apelo contra o homem e contra o estado. O filósofo estatista diz aos homens, na medida em que ele presenteia-os com seu mundo humanista, "Isto é tudo que vocês conseguirão!" Não há justiça além do homem e do estado, e geralmente muito pouco no homem e no estado.

Esta busca por vantagem torna-se uma negação da justiça, porque a justiça nega todos os privilégios em favor da Lei de Deus. Porque toda a justiça vem do Deus Triúno e está colocada publicamente na Palavra-Lei, não pode haver monopólio na justiça por qualquer agência humana, porque o homem não é a fonte da justiça. Para os homens, arrogar a execução da justiça para si mesmos é assumir que eles sozinhos são os instrumentos da justiça. Em eras anteriores, uma variedade de tribunais, civis, eclesiásticos, comerciais, e assim por diante, eram todos tratados com justiça em seu reino sob Deus. O estado está em processo de exigir para si o monopólio do direot de dispensar a justiça.

Ainda há, contudo, algun tribunais de lei mantidos pelos Cristãos mais ortodoxos e pelos tribunais judaicos para administrar a justiça para todos os que vierem. Observou-se nos tribunais judaicos que sua premissa básica é esta: "O conceito por trás dela é que não pode haver justiça sem Divindade."[6] Isto é, é claro, a premissa da Lei Bíblica, de Moisés, de Jesus Cristo, e Paulo.

Mas esta é precisamente a premissa colocada de lado pela Revolução Civil. Divindade não é um requerimento para juízes e júris, e nem é mais uma qualificação de testemunhas. Assume-se que a chave de requerimento para a administração da justiça não é a divindade, mas a educação e a razão. Educação significando essencialmente educação humanista.

Isto leva a um fato irônico. Todas as leis são simplesmente moralidade promulgada; elas são as ideias de certo e errado defendidas pelos legisladores. Ao mesmo tempo, a moralidade não é mais uma qualificação para o ofício! Apenas em esferas muito limitadas a moralidade é aplicada: o oficial público deve estar dentro do imperativo de igualdade entre os sexos e em questões raciais!

O resultado é injustiça, num mundo maquiavélico. As cidades-estado dos dias de Maquiavel eram tanto sem legitimidade quanto sem justiça. Como um resultado, os legisladores governam pela força bruta e sem justiça. Força e fraude marcaram suas organizações civis. Parkes corretamente notou,


"Desde que Maquiavel tentou encontrar remédios para uma desintegração que felizmente foi uma ocorrência rara na história Ocidental, e desde que os termos em que ele tratou o problema fizeram qualquer solução impossível, seu trabalho é muito menos importante do que comumente se supõe." [7]


Desde que Parkes escreveu, nós nos movemos para uma era maquiavélica, mas Parkes estava certo: os termos em que Maquiavel tratou o problema fizeram uma solução impossível. A Espanha precisou impôr uma "resposta" à Itália. Nós estamos em uma situação como essa hoje. A Revolução Civil vai de uma crise para outra, e a deterioração da cultura e da sociedade desde a Segunda Guerra Mundial é dramática. Todas as respostas propostas por nossos estatistas humanistas apenas agravaram o problema. A Revolução Civil não tem resposta porque é basicamente parte do problema.

(Artigo extraído de "Sovereignty", de Rushdoony. Págs. 289-292)

1. Voltaire, Philosophical Dictionary, A-I (New York, NY: Basic Books, 1962), 170-98.
2. Ibid., 365ff.
3. Alexander Murray, Reason and Society in the Middle Ages (Oxford University: Clarendon Press, [1978] 1986), 404.
4. F.W. Bussel, The School of Plato (London, England: Muthuen, 1896), 22.
5. Ralph Waldo Emerson, Essays and Journal (Garden City, NY: International Collectors Library, 1968), 348ff.
6. Jerold S. Auerbach, Justice Without Law? (Oxford, England: Oxford University Press, 1983), 93.
7. Henry Bamford Parkes, The Divine Order (New York, NY: Alfred A. Knopf, 1969), 10n.

Rev. R. J. Rushdoony (1916-2001) foi o fundador do Chalcedon e um teólogo influente, especialista na relação entre Igreja e Estado, e autor de numerosos trabalhos relacionados à aplicação da Lei Bíblica na sociedade.

Tradução por Antonio Vitor.

Essa tradução foi autorizada por Mark Rushdoony, filho de Rousas John Rushdoony.

Soli Deo Gloria.

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