terça-feira, 2 de junho de 2015


A REVOLUÇÃO CIVIL - PARTE 5
por R. J. Rushdoony.

Em seus estudos de Política, Aristóteles levanta a questão, "O que é o estado?" Seu meandro de resposta preferencial começa com o comentário de que "o estado é composto." Isso leva à questão, "O que é o cidadão?", que Aristóteles não responde claramente. Ele continua dizendo que que o estado é "composto de diferentes", i.e., seus cidadãos, e portanto ele deve ser uma variedade de pessoas tanto boas quanto más; como o corpo humano, ele tem diversos elementos. [1] Aristóteles então segue para a forma de governo, como pensou a questão, "O que é o estado?", foi respondida. Ele começou seus estudos então definindo o estado:


"Todo estado é uma comunidade de algum tipo, e cada comunidade é estabelecida visando algum bem; porque a humanidade sempre age em ordem de obter aquilo que eles pensam ser bom. Mas, se todas as comunidades objetivam a algum bem, o estado ou a comunidade política, que é a maior de todas, e que abrange todo o resto, objetiva ao bem em um grau maior do que qualquer outro, e ao bem maior." [2]

Para a Escritura, Deus é o bem maior; para Aristóteles, o estado é seu deus, o bem maior. O homem pra ele é mais um animal político do que qualquer outra criatura porque o homem tem discurso, e o senso de bem e mal. Por causa desses fatores, o homem "faz uma família e um estado." Somente "um deus ou uma fera" não precisam de um estado e é "insuficiente pra si mesmo". Nesses termos, Aristóteles diz:


"Mais do que isso, o estado é por natureza claramente prioritário em relação à família e ao indivíduo, desde que o conjunto é por necessidade prioritário em relação à parte; por exemplo, se o corpo todo for destruído, não haverá pé ou mão, exceto em um sentido equivocado... o estado é a criatura de natureza e prioridade em relação ao indivíduo..." [3]

O estado é para Aristóteles a ordem natural e, consequentemente, o ordem racional. Portanto, "o fim do estado é a boa vida." [4]

A influência de Aristóteles na vida medieval e nas eras modernas é bem conhecido. Por trás dos verdadeiros escritos de Aristóteles, outro trabalho, atribuído a Aristóteles, Secretum Secretorum, o suposto conselho de Aristóteles a seu pupilo, Alexandre o Grande, era muito popular na era medieval. Neste trabalho, Aristóteles supostamente disse a Alexandre,


"Ó, Alexandre, a cabeça da política e do julgamento é a Razão. Ela é a saúde da alma e o espelho dos erros... Ela é o chefe de todas as coisas adoráveis, e a fonte principal de todas as glórias." [5]

Dadas as premissas de Aristóteles e do Pseudo-Aristóteles, não é surpresa que Tomás de Aquino tenha definido o estado como "uma comunidade perfeita", i.e., não no sentido moral, mas natural. [6]

O pensamento de Platão também deu sua contribuição. Nas palavras de Catlin, para Platão, "contra a Razão, não há direitos naturais." [7] Se o estado é a ordem natural do homem, e, estando nas mãos dos filósofos-reis é também estar na Razão, como pode um homem ter direitos contra a Razão? Por isso, a República de Platão é necessariamente um estado totalitário.

Com o Iluminismo, e então mais tarde com Hegel, a equivalência do estado com a Razão e com a verdadeira ordem natural do homem tornou-se mais consistente. As teorias de lei natural ascenderam em parte para providenciar uma base não-teológica das leis para o estado. Porque Cristo estabeleceu a igreja, argumentava-se, a Bíblia poderia prover seu decreto de lei supernaturalmente para uma ordem institucional supernatural. O estado, sendo fundado na Natureza, precisava ter uma base natural para suas leis, consequentemente, a lei natural. Em tempo, o estado cessou de olhar pra fora de si mesmo para a lei natural; como na essência da ordem natural, o estado tornou-se sua própria fonte de lei, a lei positiva. Mais recentemente, a meditação transcedental, a nova era do pensamento, a educação sexual, e os cursos de clarificação de valores nas escolas são expressões da nova lei natural.

O desenvolvimento filosófico dos Gregos, Romanos, Escolásticos, e da filosofia moderna para o estado moderno significou a união entre a Razão e o Poder na nova política civil. Há agora, ostensivamente, a feliz união de Razão e Poder. O controle do Cristianismo, visto como irracional, no poder, foi quebrado, e então a Grande Comunidade agora pode emergir. O fato horrível em tudo isso é que o poder do estado é coerção, sempre coerção. Igualar o estado, ou igualar o estado do socialismo científico, é igualar Razão com coerção. A Razão requer coerção porque ela é Razão, e opor-se a essa coerção é irracional. Este é o pensamento de tais estados como a União Soviética, explicitamente, mas essa também é a teoria implícita das democracias. É requerido pelo pensamento de Rousseau e outros na vontade geral.

Nós podemos argumentar justificadamente em bases Bíblicas que a igreja não deveria negar qualquer tipo de coerção física; a atitude dos humanistas é aquela onde a igreja não deve coagir porque ela não é a Razão nem é sua fé racionalizável. Esse requerimento não-coercitivo cada vez mais imposto à igreja pela Revolução Civil estendeu-se a coisas tais como a educação Cristã; as escolas Cristãs e o homeschooling são vistas como coercitivas para a mente das crianças. Os pais também são vistos como coercivos se eles impõem um treinamento e disciplina cristãs para suas crianças. Apenas a coerção estatal é racional; todas as formas cristãs são irracionais e até mesmo más.

Visto dessa forma, a coerção estatista torna-se a ordem racional necessária. Como Otto Scott notou, o slogan revolucionário completo na Revolução Francesa era "Liberdade, Igualdade, Fraternidade - ou Morte." [8] Então alguns jacobinos também defenderam, "Tudo é permitido àqueles que agem na direção Revolucionária." [9] Tanto a Revolução Francesa quanto a Revolução Russa, o Terror era igualado à Razão; Lenin estava muito consciente disso.

É claro, tais homens defenderam e defendem que a coerção é má se não é ligada com a Razão científica. Tal coerção má inclui aquela dos pais, da igreja, dos fascistas, dos reacionários, dos contrarrevolucionários, e todos aqueles que discordam da Revolução Civil, que é a epítome da Razão e a voz desta.

Bussel observou,


"A ruptura tomou lugar com autoridade, nos Humanistas, com seus ideais neo-pagãos e helenísticos; no Luteranismo Copernicano ('casa homem como o centro de cada planeta'); nas teorias de sistemas políticos independentes, como Maquiavel e Bodin; ou de diferentes sistemas éticos. O período inteiro desde a metade do século XVI à Revolução Francesa é dominado pela 'Lei da Natureza'. Até em Tomás havia uma crença sutil de que a graça de Deus era indispensável apenas para as virtudes teológicas." [10]

Agora o estado é em si mesmo tanto natureza quanto lei.

O impacto dessa Revolução Civil tem sido de longuíssimo alcance, e suas raízes, profundas. Então, Maimonides, no Guide of the Perplexes, falou de perfeição intelectual como a verdadeira perfeição humana, colocando-a como cabeça dos bens exteriores, da perfeição corporal, e da perfeição moral. Ele criou portanto uma prioridade no Judaísmo que conduziu ao intelectualismo e a uma saída rápida da ênfase religiosa e moral. De acordo com Elazar,


"Maimonides não estava satisfeito em indicar que a filosofia tinha valor autônomo. Em Minesh Torah, ele mostrou como o mitzvah de ahavat hashem, amor de Deus, só pode ser realizado na medida em que se apropria disciplinas intelectuais que não são exclusivamente da tradição judaica." [11]

Então, tanto no Cristianismo quanto no Judaísmo, bem como em nossos humanistas, a sabedoria política é procurada fora de Deus e de sua Palavra-Lei. A Escritura conta-nos, 


O temor do Senhor é o princípio da sabedoria, e o conhecimento do Santo a prudência. (Provérbios 9:10) 

Porque o Senhor dá a sabedoria; da sua boca é que vem o conhecimento e o entendimento. (Provérbios 2:6)

O temor do Senhor é o princípio do conhecimento; os loucos desprezam a sabedoria e a instrução. (Provérbios 1:7) 

Mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, e loucura para os gregos. Mas para os que são chamados, tanto judeus como gregos, lhes pregamos a Cristo, poder de Deus, e sabedoria de Deus. (1 Coríntios 1:23,24)

Na Revolução Civil, o estado é a instituição salvadora, e isso é razão e poder; isso é sabedoria. A Revolução Civil é então uma revolução anti-cristã.

(Artigo extraído de "Sovereignty", de Rushdoony. Págs. 283-287)


1. Aristotle, The Politics (New York, NY: Modern Library, 1943), bk. 3, chap. 1-5, 125-136.
2. Ibid., bk. 1, 51.
3. Ibid., bk. 1, chap. 3, 55.
4. Ibid., bk. 3, chap. 10, 144.
5. Alexander Murray, Reason and Society in the Middle Ages (Oxford, England: Clarendon Press, [1978] 1986), 52.
6. Summa Theologica, bks. 2-3, q.65, a. 2, 2; bks. 1-3, q. 90, a. 3,3.
7. George Catlin, The Story of the Political Philosophers (New York, NY: Tudor Publishing Company, 1939), 52.
8. Otto Scott, Robespierre, The Voice of Virtue (New York, NY: Mason & Lipscomb, 1974), 195.
9. Ibid., 205.
10. F.W. Bussel, Christian Theology and Social Progress (London, England: Metheun, 1907), 32-33.
11. David Hartman, "Halakhah as a Ground for Creating a Shared Political Dialogue among Contemporary Jews", in Daniel J. Elazar, ed., Kingship and Consent: The Jewish Political Tradition and Its Contemporary Uses (Washingyon, DC: University Press of America, 1983), 359.

Rev. R. J. Rushdoony (1916-2001) foi o fundador do Chalcedon e um teólogo influente, especialista na relação entre Igreja e Estado, e autor de numerosos trabalhos relacionados à aplicação da Lei Bíblica na sociedade.

Tradução por Antonio Vitor.

Essa tradução foi autorizada por Mark Rushdoony, filho de Rousas John Rushdoony.

Soli Deo Gloria.

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