CRIACIONISMO E PSICOLOGIA
por R. J. Rushdoony.
A psicologia humanista nos dá uma doutrina do homem em desacordo radical com as Escrituras. Para os clérigos, tornou-se rotina olhar para psicologias humanistas como guias para o aconselhamento pastoral, e livros aplicando essas psicologias para os problemas pastorais têm tido um mercado receptivo e uma ampla influência. O resultado tem sido a constante infiltração nociva do humanismo em círculos cristãos e a erosão paulatina das doutrinas bíblicas do homem e da salvação.
Ao analisarmos a doutrina bíblica do homem e da psicologia do homem, é necessário, em primeiro lugar, reconhecer que do homem é declarado ser uma criatura, criado pelo ato soberano de Deus no sexto dia da criação (Gênesis 1: 26-31 ). Este fato nos dá um quadro radicalmente diferente do homem do que o fornecido pela evolução. Ao invés de emergir do caos e de uma ancestralidade animal, o homem é o trabalho direto e imediato de Deus.
Isto significa, em segundo lugar, que o homem tem uma história curta, não um passado longo e desconhecido. Essa história curta é muito amplamente documentada pela Escritura, bem como pelos registros do próprio homem. O homem é, portanto, sujeito à explicação por um registro documentado, não um passado longo e hipotético. Este registro documentado faz toda desculpa e evasão menos sustentável, enquanto um passado desconhecido corrói a responsabilidade e introduz confusão e incerteza. Assim, para o cristão, a psicologia do homem é um registro documentado.
Em terceiro lugar, em virtude do fato da criação seguir um padrão, o eterno propósito e conselho de Deus, (e à sua imagem), a psicologia do homem não é um fato em evolução, mas uma realidade fixa. O homem é mais do que um ser existente que está em processo de elaboração e definição de si mesmo; ele já foi feito e definido por Deus. Assim, a psicologia do homem posta por Freud, [1] ou por Sartre, [2] e outros, é falaciosa. A natureza do homem não é fixada por um passado evolutivo, nem por uma questão em aberto a ser determinada pelo homem. É um fato dado por Deus.
Em quarto lugar, o homem foi criado um ser maduro, não uma criança. Este é um fato de importância central. Nós, portanto, não podemos fazer psicologia infantil como base para a compreensão do homem. De acordo com Jastrow,
"O que podemos aceitar é o princípio de que a criança é uma autêntica encarnação da mais antiga, racialmente mais velha, mais persistente, mais autêntica natureza, guardiã da psicologia comportamentalista (behaviorista) natural." [3]
A psicologia humanista olha para trás, para um passado primitivo, a fim de explicar o homem, ao passo que a psicologia bíblica não olha nem para a criança nem para um passado primitivo para explicar o homem, mas para uma criatura madura, Adão, e para o propósito de Deus na criação do homem. Se o homem em sua origem é um produto de um passado evolutivo longo, o homem é, então, melhor compreendido em termos do animal, o selvagem e a criança. No entanto, desde que o homem era em sua origem uma criação madura, sua psicologia é melhor compreendida em termos de fato. Os pecados e falhas do homem não representam um primitivismo persistente ou uma reversão para a infância, mas uma deliberada revolta contra a maturidade e contra os requisitos da maturidade. Atribuir ao homem, como psicologias humanistas fazem, um substrato básico de primitivismo e infantilidade racial, é dar a essa revolta contra a maturidade uma justificativa ideológica; a estudada e desenvolvida imaturidade do homem é incentivada e justificada de forma madura. Se o homem é lembrado, sim, de que foi criado em Adão para a maturidade e responsabilidade e que sua revolta é contra a maturidade e responsabilidade, sua auto-justificação é quebrada. Tornou-se comum para as pessoas procurarem aconselhamento para discutir, não o seu problema, mas sua infância, seus pais e seu ambiente, a fim de "explicar" a sua presente "situação", isto é, o seu fracasso. O fato de uma criação madura é um dos fatos básicos e mais importantes de uma psicologia bíblica. É um fato de importância incalculável.
Em quinto lugar, o homem foi criado um ser maduro nos termos do propósito soberano de Deus, de modo que o sentido da vida do homem transcende o homem. O homem nunca pode ser entendido em termos de si mesmo, mas apenas por referência ao propósito soberano de Deus. A psicologia humanista sempre nega essa transcendência e, portanto, nega ao homem o sentido da sua existência. O Existencialismo é mais honesto aqui do que a maioria das filosofias e psicologias humanistas; mas ele nem define o homem nem atribui um significado à vida e do homem: "O homem é." Para o Existencialismo, se o homem é qualquer coisa, é porque o homem molda e define a si mesmo. Esta auto-definição é essencialmente um processo anarquista, em que cada homem é seu próprio universo e o deus daquele universo privado. Segundo as Escrituras, entretanto, o homem foi criado, e todo homem nasce dentro de um já definido universo feito por Deus, e cada um tem uma responsabilidade específica para com o Deus Triúno e aos homens e ao universo feito por Deus. Não apenas a existência do homem é um fato criado e definido, mas as condições de sua vida também são. Em nenhum ponto de sua vida ou a imaginação pode o homem pular fora de ordem ordenada de Deus para um reino de liberdade humanista ou liberdade feita pelo homem. A liberdade do homem é em si uma condição da Criação de Deus. Cada fio de cabelo na cabeça do homem, toda a imaginação de seu coração, e cada fibra de sua vida e experiência, é um aspecto da Criação de Deus e de Seu propósito soberano.
Em sexto lugar, o homem foi criado à Imagem de Deus. Como Van Til apontou,
"Ele é portanto como Deus em tudo em que uma criatura pode ser como Deus. Ele é como Deus no fato de que ele também é uma personalidade. Isto é o que queremos dizer quando falamos da Imagem de Deus no sentido mais geral e mais amplo. Em seguida, quando queremos enfatizar o fato de que o homem se assemelha a Deus especialmente no esplendor de seus atributos morais, dizemos que quando o hoemem tinha conhecimento verdadeiro quando foi criado, verdadeira justiça e verdadeira santidade. Esta doutrina é baseada no fato de que nos é dito no Novo Testamento que Cristo veio para nos restaurar ao verdadeiro conhecimento, justiça e santidade (Colossenses 3: 10; Ef. 4: 24). Chamamos isso de Imagem de Deus no sentido mais restrito. Estes dois sentidos não podem ser completamente separados um do outro. Seria realmente impossível pensar que o homem foi criado apenas com a Imagem de Deus no sentido mais amplo; cada ato do homem primeiramente tem que ser um ato moral, um ato de escolha contra ou a favor de Deus. Portanto, o homem, em cada ato de conhecimento, deveria mesmo manifestar verdadeira justiça e santidade verdadeira.
Então, depois de enfatizar que o homem era como Deus e na natureza do caso, tinha que ser como Deus, devemos salientar o ponto de que o homem deve ser sempre diferente de Deus. O homem foi criado à Imagem de Deus. Nós vimos que alguns dos atributos de Deus são incomunicáveis. O homem nunca pode em qualquer sentido superar sua condição de criatura. Isso coloca uma conotação definida na expressão de que o homem é como Deus. Ele é como Deus, com certeza, mas sempre em uma escala de criatura. Ele nunca pode ser como Deus em asseidade, imutabilidade, infinitude e unidade. Por essa razão, a Igreja tem encravada no coração de suas confissões a doutrina da incompreensibilidade de Deus. O Ser e o conhecimento de Deus são absolutamente abrangentes; tal conhecimento é maravilhoso demais para o homem; ele não pode alcançá-lo. O homem não foi criado com conhecimento abrangente. O homem era finito e sua finitude não era originalmente fardo algum para ele. Nem poderia o homem jamais esperar atingir um conhecimento abrangente no futuro. Não podemos esperar ter um conhecimento abrangente, mesmo no céu. É verdade que muito que agora é mistério para nós nos será revelado, mas na natureza do caso, Deus não pode revelar-nos aquilo que como criaturas nós não podemos compreender; teríamos de ser nós mesmos Deus, a fim de entender Deus na profundidade do seu ser." [4]
O homem foi criado bom, porque ele foi criado à Imagem de Deus. Portanto, justiça, santidade, conhecimento e domínio são normativos para o homem. Pecado não é natural, é uma deformação da natureza do homem, um câncer e uma doença até a morte. "Assim, nós sustentamos que o homem apareceu originalmente com uma consciência moral perfeita." [5] O homem, criado à imagem de Deus, "teve que viver por revelação." Desde que o homem é criatura de Deus, todas as condições de vida do homem e cada fibra do seu ser deve responder à Palavra lei de Deus para a sua saúde.
"Essa é, então, a diferença básica e fundamental entre epistemologia cristã e não-cristã, na medida em que tem uma influência direta sobre questões de ética, que, no caso da atividade moral do homem de pensamento não-cristão é considerada como criativamente construtiva, enquanto no caso do pensamento cristão a atividade moral do homem é considerada como sendo receptivamente reconstrutiva. De acordo com o pensamento não-cristão, não há personalidade moral absoluta a quem o homem seja responsável e de quem ele tenha recebido sua concepção do bem, enquanto de acordo com o pensamento cristão, Deus é a personalidade moral infinita que revela ao homem a verdadeira natureza da moralidade." [6]
Em sétimo lugar, tendo Deus criado o homem à Sua Imagem, ordenou-lhe que exercesse domínio e subjugasse a terra. Este é o chamado básico do homem e um aspecto básico de sua natureza. Assim, não só a natureza do homem é criada por Deus, mas a vocação do homem para o domínio está escrita na natureza do homem. Inevitavelmente, o homem é aquela criatura que foi criada para exercer domínio sobre a terra e sujeitá-la, para criar ferramentas e instituições cujo propósito é capacitar o homem para trazer todas as coisas ao seu desenvolvimento apropriado no Reino de Deus. O homem foi criado maduro para que ele pudesse exercer domínio com sua primeira respiração, e a vocação para o domínio é uma parte do seu sangue vital. "Fazes com que ele tenha domínio sobre as obras das tuas mãos; tudo puseste debaixo de seus pés" (Sl 8:6). Este fato do domínio condiciona a vida do homem, sua obediência, bem como sua desobediência. Não pode haver compreensão da psicologia do homem fora de uma consciência dessa inescapável vocação ao domínio, o que, no homem pecador, torna-se uma forma de guerra contra Deus. Nenhuma psicologia pode começar a compreender o homem fora deste aspecto da natureza do homem, o chamado para o domínio. O fato é, porém, que as psicologias humanistas negam a criação do homem em maturidade e deixam de reconhecer o significado da sua vocação para o domínio. Como resultado, eles não só não conseguem entender o homem, mas eles também dão uma falsa ilustração do próprio homem.
Em oitavo lugar, somos informados de que "homem e mulher os criou" (Gn 1:27). O caráter sexual de homens e mulheres não é um produto cego e acidental da evolução, mas o propósito de Deus e base para qualquer entendimento do homem. As tentativas de negar a validade dos regulamentos sexuais bíblicos, para interpretar a homossexualidade como uma expressão de um desenvolvimento primitivo ou como outra forma de livre expressão sexual do homem, ou para negar as diferenças psicológicas entre um homem e uma mulher, são, portanto, moralmente, bem como psicologicamente erradas. Os fatos da masculinidade e da feminilidade são básicos e constitutivos do propósito de Deus para a humanidade, e qualquer psicologia que nega-os é assim estéril e carente de entendimento. Ironicamente, os humanistas, que condenam os padrões bíblicos como puritanos e repressores, são eles próprios culpados dos piores repressões em sua negação das diferenças sexuais e de sua validade psicológica. O igualitarismo de psicologias humanistas provoca uma castração básica da natureza sexual do homem e da mulher e é uma grande força repressora na sociedade moderna.
Em nono lugar, básico para a psicologia do homem é o mandato da Criação, "Sede fecundos, multiplicai-vos; enchei a terra e sujeitai-a" (Gn 1:28). Este mandamento é precedido, no mesmo versículo pela declaração: "E Deus os abençoou." O mandamento em si é uma bênção, e o ato de obediência a todos os mandamentos de Deus é, em si, uma fonte de bênção.
Básico para a natureza do homem criado por Deus, originalmente totalmente bom, é o desejo de ser fecundo e multiplicar. A psicologia do homem como criado por Deus é, portanto, regulada pelo presente motivo, e, ainda que pervertido, este motivo não pode ser destruído sem destruir o homem. A hostilidade a esta fertilidade marcará assim uma era suicida.
O mandamento deixa claro que esta fertilidade é um aspecto do domínio do homem: "Enchei a terra e sujeitai-a." Das crianças, o Salmo 127: 3 diz que elas "são herança do Senhor." Uma herança significa duas coisas: Qualquer coisa recebida dos pais ou predecessores, e também o estado ou condição em que nascemos. Como uma "herança do Senhor" as crianças são, portanto, a nossa herança de Deus, bem como uma condição feliz da vida na Aliança. "Bem-aventurado é o homem que enche deles a sua aljava; não serão confundidos, quando falarem com os seus inimigos à porta" (Sl 127: 5). Não só a Escritura, mas a experiência da história deixa claro que a fertilidade tem sido vista como um aspecto de domínio e como um aspecto da glória do homem.
Em décimo lugar, é duas vezes indicado no relato da Criação (Gn 1: 26, 28) que um aspecto do domínio do homem é sobre o mundo animal, "sobre toda coisa vivente." O homem foi criado, assim, com um relacionamento com os animais estabelecido como normativo para sua psicologia saudável. A relação do homem para com os animais não é, portanto, de guerra, mas de domínio. O fato de que homens pecadores têm tratado animais meramente como um obstáculo a ser destruído não conseguiu apagar eficazmente a vocação do homem para um domínio normativo sobre eles. Os homens têm domesticado e aproveitado animais, utilizados como animais de estimação, protetores, e servos, e eles têm muitas vezes reconhecido que os animais selvagens têm uma função dada por Deus para trazer a terra sob o domínio.
Em décimo primeiro lugar, o homem foi criado para viver em um mundo perfeito e para cultivá-lo e mantê-lo (Gn 2:15). Assim, a psicologia do homem tem como básica uma relação com a própria terra, que é reforçada pelo fato de que o homem foi formado a partir do "pó da terra" (Gênesis 2:7) e depois feito alma vivente. O homem é portanto ligado à terra, física e psicologicamente. A terra é a área do seu domínio, o lugar para que sua fertilidade seja manifestada, e seu tesouro para desenvolver a ordem que Deus exige dele.
Estes são alguns dos aspectos elementais e elementares da psicologia do homem. O homem foi criado na maturidade, e seu pecado é uma tentativa resoluta e fútil de fugir da maturidade. No entanto, enquanto o homem pode falhar em cumprir suas responsabilidades, ele nunca pode escapar delas.
(Artigo extraído de "Revolt Against Maturity", de Rushdoony. Págs. 5-12)
1. Ver RJ Rushdoony: Freud. Philadelphia: Presbyterian & Reformed Publ. Co., 1965. [Publicado no Brasil pela Editora Monergismo]
2. Jean-Paul Sartre: Being and Nothingness. New York: Philosophical Library, 1956.
3. Joseph Jastrow, "The Reconstruction of Psychology," in The Psychological Review, #3, 1927, p. 169, cited in Cornelius Van Til: Psychology in Religion, p. 58. Philadelphia: Westminster Theological Seminary, 1935.
4. Cornelius Van Til: The Defense of the Faith, p. 29f. Philadelphia: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1955.
5. Ibid., p. 70.
6. Idem.
Rev. R. J. Rushdoony (1916-2001) foi o fundador do Chalcedon e um teólogo influente, especialista na relação entre Igreja e Estado, e autor de numerosos trabalhos relacionados à aplicação da Lei Bíblica na sociedade.
Tradução por Antonio Vitor.
Essa tradução foi autorizada por Mark Rushdoony, filho de Rousas John Rushdoony.
Soli Deo Gloria.
top. Tem alguma parte do texto que é sua?
ResponderExcluirNão, é tudo dele. É realmente um texto iluminador.
ExcluirAinda estou impressionado com esse texto. Ele desmonta a utilização constante de psicologia dentro das igrejas.
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