A REVOLUÇÃO CIVIL - PARTE 1
por R. J. Rushdoony.
O Concílio de Constança encontrou-se (1414-1418) supostamente para reformar a igreja. Na verdade, ele assegurou a corrupção da igreja até bem depois da Reforma. O Imperador Sigismundo, que controlou o Concílio, era ele mesmo um homem muito necessitado de reforma. O que os reis imperadores queriam menos do que tudo era uma igreja forte; eles preferiram uma igreja corrupta e fraca com o propósito de assegurar o próprio poder. O reino do Vaticano progressicamente tornou-se administração, arquitetura, arte, e, com o tempo, estado papal. Era mais fácil para os papas ser cabeças do estado do que de uma igreja que ameaçava reis com ultimatos morais. Uma Europa Erastiana estava em construção, uma em que o estado controlou a igreja dentro de seus domínios.
Na Inglaterra, em 1514-1515, as pessoas de Londres manifestaram-se contra a igreja por causa do assassinato de Richard Hunne, considerado herege, na prisão do bispo em Saint Paul. Charles VIII, Louis XII, e outros monarcas franceses eram campeões de uma igreja Galicana, uma controlada por eles, não pelos papas, e aos católicos da Espanha não era permitido um apelo ao papa, contra o rei ou contra a Inquisição do rei. Antes, Ferdinando e Isabella haviam sido "vigorosamente Erastianos." [1] Maximiliano I (1459-1519) esperava ganhar o trono papal depois da morte do papa ou pela deposição dele. [2] Todos esses homens confiscaram propriedades e bens da igreja quando lhes aprouve fazê-lo. Estes eram "bons católicos" que fizeram tanto dano à igreja quanto Henrique VIII. Thomas More, um "bom Católico" posteriormente feito santo, aconselhou Henrique VIII a tomar os mesmos passos aos quais ele opôs-se posteriormente.
Um forte argumento poderia ser feito a partir do fato de que a Reforma Protestante salvou a Cristandade e preservou a Igreja Católica Romana. Isso não significa dizer que o desmantelamento da Cristandade não continuou vigorosamente. Os vários governantes estavam convencidos de que a sociedade era mais civil do que teológica em sua fundação. Os advogados das coroas estavam ocupados em todos os lugares estabelecendo novas premissas legais para a sociedade. A Reforma e a Contra-Reforma criaram uma força contrária à revolução civil em andamento.
Mas as fundações estavam mudando. Charles Baudelaire, em seu Salon de 1846, escreveu,
"O crítico deve armar-se desde o princípio com um critério certo retirado da natureza, e deve então cumprir seu dever com uma paixão; para um crítico não deixar de ser um homem, e a paixão une disposições similares e exalta a razão para as frescas alturas." [3]
Essa é uma afirmação curiosa e importante. Baudelaire está convicto de que o "critério certo" vem, não de Deus, mas da natureza, e a maior habilidade do crítico para ele era que ele era um homem, i.e., natural.
A Renascença estava ansiosa com a tradição, mas não a tradição cristã e sim aquela da antiguidade pagã. [4] Lorenzo Ghiberti deixou transparecer algum ressentimento pelo triunfo do Cristianismo. A arte começou a perder seu panorama e sua referência sobrenatural, e, progredindo na arte renascentista, "não há referência além do que nós vemos."[5]
O "critério certo", tanto na arte quanto na religião ou na política, estava tornando-se firmemente a natureza acima de Deus e de sua Palavra-Lei. O estado, como organização natural do homem, veio à sua posse como um fim em si mesmo. Era cada vez menos "Busque primeiro o Reino de Deus, e sua justiça" (Mt 6:33), mas, firmemente, procure primeiro o reino político como a vida e organização básica do homem. A revolução civil deu um novo foco à vida, o estado. O homem começou a ver a si mesmo mais como um animal político do que como uma criatura de Deus.
No Dictionary of Sociology (1944), Mapheus Smith tem duas interessantes definições de homem que contam-nos muito sobre nosso mundo do século XX. O homem não vê mais a si mesmo clara e nitidamente em termos de Deus como uma criatura feita à Sua Imagem. Antes, a ciência tem ensinado-o a pensar de si mesmo naturalisticamente. De acordo com Smith,
"homem (1) A espécie humana em geral como distinguida dos organismos sub-humanos. Homo Sapiens (2) Um macho adulto membro da espécie humana.
homem, marginal. No sentido geral, uma pessoa que não é um membro totalmente participante de um grupo social. Muitas pessoas marginalizadas são marginais para dois ou mais grupos, como é verdade para imigrantes parcialmente assimilados." [6]
As raízes dessa mudança do homem Cristão para o homem civil estão na adoção do pensamento de Aristóteles pela igreja medieval. Em termos aristotélicos, Tomás de Aquino afirmou que "O homem é um animal social"; "O homem é propriamente aquilo que ele é de acordo com a razão", e
"A natureza deu ao homem o começo da satisfação de seus desejos, dando-o razão e um par de mãos; mas não satisfação completa, como para os outros animais, a quem ela deu comida e vestimenta suficientes." [7]
Há muito mais em Aquino do que isso, mas há muito disso. O que nós podemos dizer da afirmação de Aquino de que "a natureza deu ao homem... razão," etc.? Se a natureza deu ao homem o seu ser, nós podemos ter apenas uma moral e uma ordem social naturalistas, mas se Deus deu ao homem cada átomo de seu ser, e é o Autor de todas as coisas, então nós temos um mandato para uma organização divinamente ordenada pela sua Palavra-Lei. O Breve Catecismo de Westminster, Q. 10, pergunta, "Como criou Deus o homem?" e responde,
"Deus criou o homem macho e fêmea, conforme a sua própria imagem, em conhecimento, retidão e santidade com domínio sobre as criaturas. (Gn 1:26-28; Cl 3:10; Ef 4:24; Hb 11.3; Sl 33.9; Gn 1.31.)"
A entrada das visões gregas do homem e de seu ser na filosofia e na política civil durante a Idade Média conduziu a uma nova forma de pensar a igreja e o estado. O resultado foi a Revolução Civil, um reavivamento do paganismo onde a organização humana agora era o estado acima do Deus Triúno. Com esta Revolução Civil, o centro da sociedade mudou da igreja para o estado, da teologia para a política, e do Reino de Deus para os vários reinos do homem. "Razões do estado" agora começaram a prover uma nova moralidade, porque a moralidade é o relacionamento do homem com a realidade. Se o legislador da sociedade civil é a realidade, então, como Maquiavel e Castiglione viram, nós alinhamo-nos àquele legislador como nosso dever moral e realista. Em tal sociedade, a Lei de Deus torna-se uma moralidade "irrealista". Se, entretanto, o Deus da Escritura é o Deus vivo, então a moralidade civil é falaciosa e o homem e o estado civil estão sob julgamento e reprovação. A Revolução civil é, portanto, para o irrealismo e a morte.
(Artigo extraído de "Sovereignty", de Rushdoony. Págs. 261-264)
1. A.G. Dickens, The Counter-Reformation (New York, NY: Hartcourt Brace and World, 1969), 15-18, 91-92, 149ff.
2. Friefrich Heer, The Holy Roman Empire (New York, NY: Friedrick A. Praeger, 1967), 139.
3. Michael Fried, in "Painting Memories: On the Containment of the Past in Baudelaire and Manet", in Robert von Hallberg, ed., Canons (Chicago, IL.: University of Chicago Press, 1984), 227.
4. Michael Levey, Early Renaissance (Middlesex, England: Penguin Books, [1967] 1987), 15.
5. Ibid., 24, 81.
6. Mapheus Smith, "Man", in Henry Pratt Fairchild, ed., Dictionary of Sociology (New York, NY: Philosophical Library, 1944), 182.
7. Marris Stockhammer, ed. Thomas Aquinas Dictionary (New York, NY: Philosophical Library, 1965), 118-19.
Rev. R. J. Rushdoony (1916-2001) foi o fundador do Chalcedon e um teólogo influente, especialista na relação entre Igreja e Estado, e autor de numerosos trabalhos relacionados à aplicação da Lei Bíblica na sociedade.
Tradução por Antonio Vitor.
Essa tradução foi autorizada por Mark Rushdoony, filho de Rousas John Rushdoony.
Soli Deo Gloria.
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