sexta-feira, 29 de maio de 2015



A REVOLUÇÃO CIVIL - PARTE 2
por R. J. Rushdoony.

No dia 7 de outubro de 1984, vinte e quatro freiras assinaram uma declaração no The New York Times afirmando que a oposição ao aborto não é "a única posição legitimamente Católica." O Vaticano ordenou aos superiores delas que assegurassem sua retratação ou seu afastamento. No dia 9 de junho de 1988, duas das freiras, Barbara Ferraro e Patricia Hussey, encontraram a imprensa para elogiar seus superiores por terem desafiado a doutrina do Vaticano, e elas chamaram isso de "uma enorme vitória para todas as mulheres", especialmente as freiras. As duas freiras declararam, "A vitória reafirma para nós a convicção de que, entrando em um comunidade religiosa, nós não desistimos de quem somos como seres humanos sensíveis e pensantes." Padres, monges, freiras e bispos têm desafiado o Vaticano por séculos, mas as razões para esse desafio mudaram. O desafio agora reflete a Revolução Civil. Mais do que isso, o desafio está baseado no clamor de uma moralidade mais verdadeira, e o Vaticano é acusado de falhar em acomodar-se a um padrão moral mais ostensivamente iluminado.

Por trás disso está a Revolução Civil. A fé bíblica é uma fé pactual. Um pacto é um acordo de lei entre dois partidos. Pactos entre iguais significam um acordo nos termos da lei e uma igual entrada como um caráter da lei acordada. Um pacto entre desiguais é um pacto de Graça por onde o superior graciosamente dá sua lei para o inferior. O Pacto de Deus com o homem é então um Pacto tanto de Graça quanto de Lei. Porque a Lei é um pacto religioso, Deus não permite pactos ou tratados entre Seu povo com nações descrentes. (Ex 23:31-33; 34:12-16; Dt 7:1-4).

Com o Iluminismo, o homem secularizou a doutrina do pacto em um contrato social, um tratado entre iguais. John Locke (1632-1704) desenvolveu esse conceito extensivamente. Seu pensamento tinha raízes na visão que Aristóteles tinha do homem como um animal político, cuja necessidade era viver em termos de leis e políticas civis feitas mediante acordo. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) aderiu a essa doutrina.

O contrato social foi formado para proteger o indivíduo e seus direitos de propriedade. Uma consequência disso, como na Inglaterra, foi a passagem de numerosas leis requerendo a pena de morte até para os furtos menores. Uma era que orgulhou-se de ter "superado" a intolerância religiosa mostrou uma intolerância muito maior naquilo que se referia à violação do direito de propriedade. O século XX transferiu a intolerância para o dissidente político-econômico e assassinou milhões enquanto sustentava sua superioridade contra a "era da fé"!

John Locke,  em seu Ensaio Sobre o Entendimento Humano, livro 2, capítulo 7, negou o pecado original e defendeu o controle racional do homem e a responsabilidade por suas ações. Desde então a sociedade representa, não uma ordem caída, mas um contrato social, um consenso racional dos homens. O governo civil é portanto um contrato radical: ele representa a ordem racional. Muito depois, Hegel veria o estado como deus encarnado na terra, como um Geist ou Espírito encarnado. Para Locke, o estado era razão, e a esperança de Locke para a salvação humana era num efeito civil. O fim principal do governo civil era, para Locke, a proteção da propriedade. Nos termos de sua fé, a Inglaterra passou lei após lei pedindo pela pena de morte por roubo, e por qualquer infração dos direitos de propriedade. Para Locke, a liberdade significava ter regras para viver pela legislação de um governo civil. Para Locke, liberdade do poder absoluto e arbitrário significava governo representativo. Para Locke, a ordem civil era feita de homens proprietários. Para ele, os direitos naturais eram direitos racionais, e o contrato social era a ordem da razão. A ordem da razão era a vontade da maioria. Uma minoria dissidente poderia queixar-se de que seus direitos estavam sendo violados. De acordo com Locke, um


"governo deve ser pela decisão legislativa majoritária, a menos que um número maior do que a maioria seja especificamente estipulado. Isto segue a intenção do Contrato Social ou 'pacto original.' Mas como nós entendemos que o homem entra nesse acordo? Por uma declaração expressa - ou implícita. E qual é o sinal de um acordo implícito? A resposta é a residência; o acordo durou tanto tempo quanto dura a residência. 'Ele está livre para ir e incorporar-se a qualquer outra comunidade, ou entrar em acordo com outros para começar um novo in vacuis locis (nos espaços bem abertos)" [2]

Desde os dias de Locke, o estado como a personificação da razão moveu-se da proteção da propriedade para a taxação e até mesmo o confisco da propriedade por objetivos racionais da revolução civil. Nas democracias ocidentais, impostos pesados são a regra; nos estados Marxistas, o confisco normalmente prevalece. Esses passos são tomados pelo estado como aquilo que a razão requer.

É claro, depois de Rousseau, a vontade de Deus foi substituída por uma nova infalibilidade, a vontade geral das pessoas. Desde que essa vontade geral seja desconhecida até que seja expressada, o estado não tem critério definido exceto um suposto desenvolvimento da vontade geral.

Em consequência da substituição da vontade de Deus pela vontade geral, há uma mudança da ênfase dos deveres do homem em relação a Deus para os direitos humanos. Direitos substituíram deveres, o foco da sociedade mudou de produção para consumo. O homem vive como um consumidor, não como uma criatura feita à Imagem de Deus e de quem se requer o serviço a Deus de todo o coração, mente e ser. Não é Deus quem deve ser servido, mas o homem e o estado. Deus como legislador foi substituído pelo homem. Em 1962, Robert M. Hutchins disse:


"... eu acredito que o governo é indispensável, ao contrário de Kropotkin e os anarquistas, e eu acredito que a lei é a expressão da razão e não a expressão do poder arbitrário. Eu faço violenta oposição à ordem dominante na maior parte das escolas de direito desse país, e também da Inglaterra, segundo a qual a lei é a vontade da côrte ou de que a lei é o comando do soberano.

A lei deve ser julgada em termos de bem comum. A lei, portanto, é boa ou má em termos de fazer ou não aquela contribuição. O governo é o símbolo essencial através do qual a comunidade política move-se no que diz respeito ao bem comum. Se qualquer governo em particular ou qualquer lei em particular ou em qualquer sistema em particular não contribui para o bem comum, então o que deveria ser feito é descobrir por que o governo e a lei não contribuem para o bem comum; e o governo e a lei devem ser mudados." [3]

Note que para Hutchins a lei era "a expressão da razão". O teste da racionalidade da lei para ele era "sua contribuição para o bem comum" porque, não a igreja, mas o estado, "é o significado essencial através do qual a comunidade política move-se no que diz respeito ao bem comum." Como nós sabemos quando o estado falha para o bem comum, através de qual padrão? E se o estado decretar a morte de todos os judeus, ou de todos os Cristãos? Por que Hutchins nunca preocupou-se com o assassinato do clero na Rússia, e de muitos fiéis?

O problema desde Locke até Rousseau, e no presente, é a rejeição da lei de Deus como o padrão de justiça e a rejeição da doutrina do pecado. Em consequência da desconsideração do pecado do homem, a razão humana é defendida como sendo boa quando na verdade ela serve aos propósitos do homem pecador. O pecado é o padrão do homem caído: ele sente prazer nisso, vê isso como auto-expressão, e como um símbolo para o poder.

Alguns iluministas podem ser citados. Durante a Grande Depressão dos anos 30, homens em posições estratégicas nas agências federais aceitaram suborno na forma de submissão sexual de funcionárias mulheres. Pouco depois da guerra, fui informado de um oficial que descreveu tal atividade como a melhor forma de suborno, sem dinheiro para ser rastreado, e sem vítimas externas. Esse é o estado como razão e justiça?

Um alemão contou-me, no fim da Segunda Guerra Mundial, quando a entrada nas universidades era difícil, e as listas de espera eram longas, que o registro de jovens mulheres era alto, e praticamente todas eram bonitas. A entrada era por suborno sexual. Essa é a universidade como a vida da razão?

Friedrich Heer, o historiador austríaco, reportou que, depois da Primeira Guerra Mundial, "nos portões de Vienna, um padre foi afastado porque ousou pregar contra o jus primae noctis (o direito à primeira noite com uma mulher camponesa recém-casada no feudo) que era requerido do lorde que era seu patrão eclesiástico." Esse era um sistema longamente aceito tanto por camponeses quanto por lordes. [4]

Se a prioridade de Cristo e do Deus Triúno sobre todas as esferas da vida é removida, então a anarquia moral e social começa a prevalecer. A alternativa ao reino de Deus é o reino do pecado. A Revolução Civil negou a prioridade de Deus e de Sua Lei em favor das razões do estado. O estado como a ordem do homem racional corroeu minuciosamente cada área da vida para criar uma instalada desordem. A Revolução Civil exaltou o estado, mas ela está produzindo anarquia.

(Artigo extraído de "Sovereignty", de Rushdoony. Págs. 265-269)

1. "Pro-choice Nuns Praise Decision Against Ouster", Stockon (California) Record, June 10,1988, A-8.
2. George Catlin, The Story of The Political Philosophers (New York, NY: Tudor Publishing Company, 1939), 295-96.
3. Robert M. Hutchins, with Joseph P. Lyford. A Conversation: The Political Animal (Santa Barbara, CA: Fund for the Republic, 1962), 16.

Rev. R. J. Rushdoony (1916-2001) foi o fundador do Chalcedon e um teólogo influente, especialista na relação entre Igreja e Estado, e autor de numerosos trabalhos relacionados à aplicação da Lei Bíblica na sociedade.

Tradução por Antonio Vitor.

Essa tradução foi autorizada por Mark Rushdoony, filho de Rousas John Rushdoony.

Soli Deo Gloria.

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