domingo, 5 de julho de 2015

A ESCATOLOGIA DA MORTE 
por R. J. Rushdoony.

Os moribundos não têm futuro algum, e eles sabem disso. Eles falam, e limitam sua visão, ao presente e seus sofrimentos. O futuro dos moribundos é muito limitado, e, comumente, eles não vão além de alguns dias, ou de mais de um mês, em sua forma de pensar. Deles é a escatologia da morte, e os homens sem fé não têm outra escatologia. A morte e a certeza da morte apagam outras considerações ou ainda governa a todas.

O mesmo é verdade para as culturas. A morte vem rapidamente quando a fé da cultura colapsa ou desvanece. A confiança que uma vez habilitou-os como uma pequena minoria para dominar seu mundo derreteu, e eles não podem colocar sua casa em ordem, nem controlá-la. Tanto a Grécia moribunda quanto a Roma moribunda viram-se como superpovoadas e como sobrecarregadas com pessoas e problemas, e o nosso moderno e moribundo estatismo humanista sente o mesmo. Ele fala desesperadamente de população de crescimento zero e de crescimento econômico zero porque por trás de tal pensamento está o futuro zero, uma bancarrota intelectual e religiosa.

O pai da economia humanista moderna, Lord Keynes, quando perguntado sobre as consequências de suas teorias econômicas "a longo prazo," respondeu simplesmente, "a longo prazo, nós estamos todos mortos." O desastre crescente da economia Keynesiana, e um mundo praticando-a, não deveria surpreender-nos. Ela nasceu sem futuro, e ela era um produto de uma era que, como os moribundos, viveu para o momento e sem nenhum pensamento do futuro.

Os moribundos vivem para o momento, porque eles não têm futuro algum. Convertida em uma forma filosófica, o nome de tal estado de morte antecipada é existencialismo. Para o filósofo existencialista Jean-Paul Sartre, o homem é uma paixão fútil que deseja ser um deus mas é encarado apenas pela certeza da morte.

Em uma área após a outra, a escatologia da morte governa nosso mundo. Ontem, uma carta veio de um homem jovem no Alaska que escreve em parte como segue:

"Eu sou um hidrógrafo, mas eu não sou registrado pelo estado porque eu não passei em um teste, e eu não posso fazer o teste porque eu não trabalho por um registro de hidrógrafo há oito anos... Agora... não há chance de emprego para um hidrógrafo registrado. Eu preciso abandonar o emprego, porque não posso assinar por ele. Eu tenho uma educação em hidrografia e eu sinto que eu poderia desistir do teste... Os hidrógrafos registrados legislaram um monopólio para si mesmos."

O Alaska pode chamar-se a si mesmo de última fronteira, ou de uma nova fronteira, mas ele nasceu morto, com uma escatologia de morte. Como a moribunda cidade de Nova York, ele estrangula a si mesmo com suas próprias leis ímpias.

Esta situação não é incomum, mas banal. Em algumas cidades e estados, nenhum homem jovem pode qualificar-se pra ser um encanador, ou um carpinteiro, ou em várias outras vocações, a menos que seu pai seja uma pessoa importante na união. O moribundo legisla contra o futuro.

A escatologia da morte é comum a todas as idades e classes. Os idosos são muito inclinados a culpar as gerações mais jovens, mas uma das ameaças do nosso tempo é o crescimento da demanda por fundos públicos para aposentadoria. Com o declínio da taxa de nascimento, os Estados Unidos pode encarar uma crise em não muitos anos, quando cada assalariado empregado sustentará duas pessoas pela seguridade social, e outras formas de contribuição. Tal situação não ocorrerá apenas porque o desastre assaltará qualquer sociedade que trabalha a si mesma em tal predicado.

As gerações mais jovens não são melhores, é claro. Elas procuram soluções estatais para todos os problemas: o totalitarismo na esfera econômica (bem como, portanto, na política), e uma total permissividade na esfera moral. Isso é irresponsabilidade, e irresponsabilidade é um convite urgente para o desastre e para a morte.

Não surpreendentemente, a educação humanista é dominada pela escatologia da morte. Ela cria uma demanda por resultados instantâneos e gratificação instantânea. Ela ensina as crianças a brincarem de ser um senador do estado, ou um congressista, ou a legislar sentimentos, como se "bons" desejos pudessem determinar a realidade. As crianças amadurecem fisicamente, mas permanecem crianças, demandando resultados e gratificações instantâneas, utopia sem trabalho ou fé. Educação para infância permanente significa uma sociedade de incompetentes, de todas as idades, cuja política torna-se uma demanda política. E porque a demanda política produz desastres, os políticos que alimentam ou gratificam essa demanda são prontamente e colericamente transformados em bodes expiatórios por uma cidadania desgraçada e irresponsável.

Em Speech and Reality (1970), Eugen Rosenstock-Huessy escreveu a respeito dos perigos e males sociais que confrontam a civilização moderna. Estes são, ele disse, primeiro, a anarquia. Na anarquia, as pessoas e as classes "não importam-se em chegar a um acordo." Em vez de criarem laços que unam os homens, agora só existem divisões, onde cada qual busca seu próprio interesse. Segundo, a decadência é um grande mal. A decadência é manifestada em um ponto crítico: os pais não têm "o vigor para converter a próxima geração aos seus próprios fins e objetivos. A decadência é a doença do liberalismo hoje." A consequência é a barbarização da geração mais jovem. E porque eles não são herdeiros do passado e sua fé, eles tornam-se os bárbaros do presente. (A família moderna, como a escola moderna, é uma escola de bárbaros.) "A única energia que pode lutar contra esse mal é a fé. A fé, propriamente falando, nunca é uma crença em coisas do passado, mas do futuro. Ausência de fé é um sinônimo de decadência," Rosenstock-Huessy afirmou.

Terceiro, em sua lista de males, é a revolução, que é uma consequência da anarquia e da decadência. O idoso e o passado são liquidados ou eliminados como insignificantes ou irrelevantes, que eles inclusive fizeram de si mesmos, por seu abandono da fé e por sua educação destrutiva dos jovens. Quarto na lista de males é a guerra. A guerra é um sinal de impotência. Um sistema ou filosofia de vida que não tem poder de converter torna-se imperialista. Para isso, o zelo e a fé de missionários pacíficos substituem o terror brutal. Uma fé cambaleante refugia-se na guerra, porque ela não provoca o contágio da fé e da convicção e pode apenas forçar os homens em seu próprio sistema. A guerra é o refúgio daqueles que não possuem verdadeiro poder e estão em declínio.

Em suma, Rosenstoc-Huessy disse, a anarquia é a crise criada por uma ausência de unidade e comunidade. A decadência é o colapso da fé. A revolução significa a ausência de respeito, inclusive, um desprezo, pelo passado e pelo presente. A guerra é um indício da perda de poder e um refúgio para forçar a perpetuação ou o avanço de um sistema.

Todas estas coisas são aspectos da escatologia da morte. Mas ainda existe um outro aspecto. Em virtude do fato do tabu moderno ser a morte, as pessoas são frescas e hesitantes sobre os fatos óbvios da morte. É comumente assumido, sem medo, que a maior parte das mortes é luxuosa, longa, e lenta, o que na maioria dos casos não é verdade. A morte comumente vem rapidamente. Também assume-se que a morte vem para um homem malicioso, o que também não é verdade. Ela vem para Cristãos e incrédulos, e com muitas matizes de diferença. A morte entre alguns dos ímpios que morrem uma morte lenta desencadeia um ódio radical da vida. Um homem, uma vida longa reprovável e adúltera, abandonando sua esposa por ser "velha demais" e movido por uma jovem viúva, a quem ele enriqueceu para uma posição social. Quando adoeceu terminalmente, ele foi dispensado por sua amante, e apenas sua esposa teria ficado com ele. Em vez de gratidão, ele demonstrou a ela e seus filhos um ódio diário, profano, e abusivo, odiando-os por sua fé e saúde, "arruinado" por eles, ele gritaria, porque eles "não sabiam como viver." Este é um aspecto da escatologia da morte, esse ódio pela vida e pelo viver, e esse desejo destrói-os. No coração disso está aquela Sabedoria há muito declarada: "Mas o que pecar contra mim violentará a sua própria alma; todos os que me odeiam amam a morte." (Pv 8:36) 

Nós estamos rodeados hoje por homens moribundos cuja escatologia é morte e cuja política, religião, economia, educação e vida diária manifestam o que Samuel Warner chamou de "a urgência pela destruição em massa." Deste sistema mundano, Apocalipse 18:4 declara, "Sai dela, povo meu, para que não sejas participante dos seus pecados, e para que não incorras nas suas pragas." A despeito disso, todos os muitos Cristãos professos não apenas recusam-se a separar-se, mas são insistentes na moralidade de enviar suas crianças a escolas públicas humanistas, um ato de anarquia.

Nós descrevemos a natureza do moribundo. E os mortos? Os mortos não podem empreender guerra ou revolução, nem manifestar ódio. Os mortos têm seu próprio lugar, e eles permanecem dentro dele. Nenhum cadáver pode desenterrar sua sepultura, nem conquistar uma polegada de chão além daquela que ele ocupa. Os mortos ficam em suas sepulturas.

A igreja muito comumente também é como uma sepultura. Em vez de ser um local de treinamento e um armeiro para o exército de Deus, ela é um depósito para os mortos. As pessoas dentro dela não tem vida e poder para ocupar qualquer outro local, para estabelecer escolas Cristãs, para conquistar um reino de política e economia para "ocupar" em nome de Cristo mesmo uma área da vida e pensamento e trazer tudo "cativo" a Jesus Cristo (Lc 19:13; 2Co 10:5). Onde o Cristianismo está confinado à igreja, ele está morto, e ele é apenas um cadáver clamando aquele nome, mas sem ter nem a vida nem, portanto, o poder (2 Tm 3:5).

O Cristianismo não pode ser enjaulado na igreja e confinado lá como um animal de zoológico. "é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê"(Rm 1:16). O poder comanda; ele exercita domínio, e ele alcança "toda criatura" (Mc 16:15) com o Evangelho da redenção e senhorio de Cristo. Ele trabalha pra trazer todas as coisas ao domínio de Cristo, que é o "Rei dos reis, e Senhor dos senhores." (Ap 19:16). Jesus começou e terminou seu ministério "pregando o Evangelho do Reino de Deus"(Mc 1:14f). Aquele Reino começa com nossa redenção através de Seu sacrifício e continua com nosso exercício de domínio e conhecimento, justiça, e santidade sobre todas as áreas da vida e do pensamento.

Igrejas sepulturas não tem Evangelho. Em vez disso, eles resumem os mortos vivos a entrarem na segurança de seu cofre particular, afastados pra longe dos problemas e batalhas da vida. Eles convocam seu povo a transbordar paz dentro da sepultura, e a enfeitar a sepultura com seu tempo e esforço. Igrejas sepulturas não tem ministério para um mundo moribundo.

Quando nosso Senhor declarou, "TODO PODER me é dado nos céus e na terra" (Mt 28:18), Ele não limitou aquele poder total que Ele, como Rei da Criação, exercita no confinamento restrito da alma humana. "Todo poder" de Cristo está sobre todas as coisas no céu e na terra em cada aspecto, e sobre cada átomo, momento, e impossibilidade no todo da Criação. Ele é o Senhor, senhor sobre todos. Limitar seu senhorio e poder à igreja é tão absurdo quanto limitar o brilho do sol sobre a Europa, ou, daí, selecionar porções. Até menos do que podemos limitar o sol sobre um continente ou um país, podemos limitar Cristo, o Rei, a uma esfera ou instituição. Fazer isso é negar Sua deidade e é ateísmo prático.

Porque "todo poder" é Ele, o Senhor da Criação envia Seus mensageiros eleitos para "discipular todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo;
Ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos." (Mt 28:19-20) Todas as nações devem ser convocadas a curvarem-se diante do Rei, tanto como indivíduos e em cada aspecto de suas vidas, civil, eclesiástica, educacional, familiar, vocacional, e todas as outras coisas. Uma escatologia de vida e vitória autoriza-nos a não dispensar nada do domínio e senhorio de Cristo.

Um termo doentio em círculos teológicos reformados refere-se à "oferta bem-intencionada do Evangelho" de Deus; a imagem de Deus que isso invoca é falsa. A Palavra de Deus nunca é uma "oferta bem-intencionada," mas sempre uma Palavra de comando, a palavra de poder que redime e regenera, ou reprova. Para ter cheiro "bem-intencionado" de impotência e falha, e isso fala de homens cujos poderes são frágeis, falíveis, pecadores, ou moribundos. Isso pertence à escatologia da morte. A Palavra de Deus é Palavra de comando, a Palavra de poder, a Palavra de vida e morte porque ela é a Palavra onipotente. Apenas dEle isso pode ser verdadeiramente dito, "O Senhor é o que tira a vida e a dá; faz descer à sepultura e faz tornar a subir dela" (1 Samuel 2:6). Apartado de Deus, o homem não tem futuro algum. Em todas as áreas da vida e do pensamento, "Se o SENHOR não edificar a casa, em vão trabalham os que a edificam; se o SENHOR não guardar a cidade, em vão vigia a sentinela" (Sl 127:1).

A educação, em sua essência, é sempre a transmissão da fé e dos valores básicos de uma cultura aos seus jovens. A educação é, então, em sua essência, sempre uma preocupação religiosa.

Em muitas culturas, os valores básicos tem sido não-verbais e não-literários, de forma que aquela educação não tem preocupado-se com a instrução, mas com outras habilidades. Apenas umas poucas culturas preocuparam-se com a instrução, fé Bíblica e cultura em particular, por causa da insistência no conhecimento das Escrituras. O humanismo moderno (ao contrário do humanismo clássico) subestima habilidades verbais e literárias.


Então, não apenas a educação é um assunto totalmente religioso, mas o currículo, seu conteúdo, e seus métodos são religiosos, naquilo que eles refletem a fé e os valores de uma cultura. Permitir que nossas crianças estejam em escolas humanistas é estar em jugo desigual e servindo a dois senhores.

(Artigo extraído de "Roots of Reconstruction", pág. 14. Chalcedon Position Paper N.o 14, June, 1979)

Rev. R. J. Rushdoony (1916-2001) foi o fundador do Chalcedon e um teólogo influente, especialista na relação entre Igreja e Estado, e autor de numerosos trabalhos relacionados à aplicação da Lei Bíblica na sociedade.

Tradução por Antonio Vitor.

Essa tradução foi autorizada por Mark Rushdoony, filho de Rousas John Rushdoony.

Soli Deo Gloria.

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