sábado, 10 de julho de 2021

BAHNSEN: KUYPER, WARFIELD E VAN TIL




O Vantilianismo deve ser compreendido, dentre outros aspectos, com a noção de que sua obra é também uma tentativa de resolver o problema por trás da rivalidade entre Amsterdã (Abraham Kuyper) e Princeton (Benjamin B. Warfield). Cornelius Van Til estava familiarizado com as controvérsias teológicas de seu tempo. Ele havia estudado as obras de Kuyper antes mesmo de ir ao Seminário na língua original e manteve contato com os teólogos de Princeton, estando consciente das desavenças entre as duas escolas.


Warfield criticava Kuyper pelo que parecia ser um desdém deste pela apologética, pela ênfase ao papel do Espírito Santo na conversão. Para Benjamin, o fato de a fé vir pela Regeneração não exclui a racionalidade da fé: nós cremos em Cristo porque é racional crer. A fé seria uma forma de convicção necessariamente embasada em evidências. As evidências têm uma participação na conversão da alma, e uma participação que não é pequena e nem defensiva. A apologética, que seria na verdade uma "organização sistemática de evidências", não seria apenas um escudo para que cristãos protejam-se da chateação do mundo, mas uma parte primária e conquistadora para a cristianização do mundo. O cristianismo apela para a razão de forma exclusiva, como a "religião apologética".


O que Kuyper enfatizava era que a conversão era também uma conversão na disposição da mente humana. O convertido tem uma mente diferente da mente do "homem natural", o que significa realmente que ambos produzem duas ciências distintas. Duas diferentes teorias de conhecimento: de um lado, a ciência do princípio natural, do homem não-regenerado vendo tudo de uma perspectiva "natural" (e caída); e do outro a ciência do princípio sobrenatural, do homem regenerado vendo tudo de uma perspectiva sobrenatural.


Em resposta a isso, Warfield diria que o problema não é tanto de "tipo" de ciência, mas de performance. Se para o teólogo de Amsterdã o homem não-regenerado é afetado em todo seu labor científico, para o teólogo de Princeton o não-cristão produz ciência imperfeita, mas ciência verdadeira, contribuindo para a consciência humana geral ao abstrair a ciência.


Para Kuyper, todo ser humano conduz seu pensamento em relação a um princípio último, uma pressuposição básica, que, no pensamento não-cristão, é um princípio natural, pelo qual todas as coisas são interpretadas em termos do homem natural, enquanto a totalidade do pensamento do cristão genuíno é baseado em Cristo como autoridade última, razão pela qual os cristãos têm uma teoria do conhecimento própria e uma cosmovisão distinta daquela do não-cristão. A perspectiva da primeira nega a perspectiva da segunda. A sabotagem do cristianismo nas universidades é a prova disso. Os cientistas e humanistas negam qualquer trabalho com pressuposições cristãs como não sendo científicos, objetivos. Se os cristãos não usam as pressuposições não-cristãs, se os trabalhos científicos não são feitos sob uma perspectiva especificamente "naturalista", eles sequer recebem o nome de "científicos". As universidades do mundo consideram impossível assumir como verdade as verdades do Evangelho. Mas se esse é o caso, como seria possível uma apologética se os compromissos intelectuais do cristão e do não-cristão são tão radicalmente antitéticos? Para Kuyper, não seria.


Tal era a controvérsia nos dias de Van Til e é incorreto concluir que esse holandês colocou-se ao lado de Kuyper contra Warfield ou que colocou-se ao lado do teólogo de Princeton contra o teólogo de Amsterdã. Para Greg Bahnsen, é somente quando alguém compreende com o que Cornelius concordava e com o que discordava de ambos que alguém pode vislumbrar a originalidade e grandiosidade do pensamento de Van Til. A abordagem do dr. Bahnsen procura esclarecer o método daquele holandês à luz do debate entre aqueles dois teólogos, tão importantes.


Para Cornelius Van Til, a conclusão que Kuyper tirou de seu insight inicial a respeito da diferença de "tipo" entre as ciências cristã e não-cristã, das diferentes cosmovisões, não combina com outras verdades bíblicas. O não-cristão tenta seguir o princípio naturalista de forma consistente, mas, segundo Van Til, tal empreitada é impossível na prática. O não-cristão não pode fugir do poder de persuasão da Revelação de Deus na Criação e da lei de Deus em si mesmo. É a Graça Comum que impede o não-cristão de obliterar o testemunho de Deus dentro e fora de si. O incrédulo conduz sua vida e seu raciocínio em termos da Revelação de Deus, mesmo que verbalmente negue-a e convença a si mesmo que ela não existe. Não apenas o apologista pode argumentar racionalmente contra a filosofia esposada pelo não-cristão (contingência), quanto pode-se esperar que não-cristão seja capaz de compreender a inadequação de sua interpretação da realidade através dos argumentos apologéticos. O Cristianismo, portanto, deve ser apresentado como Verdade objetiva e pública comprovada para todos. Não há apenas uma atitude anti-ética do não-cristão, mas uma falha intelectual injustificável. 


Van Til publicou textos onde negou explicitamente a conclusão de Kuyper, já que Warfield estava certo em defender o Cristianismo como objetivamente defensável e que o homem natural tem a habilidade de compreender intelectualmente, embora não espiritualmente, o desafio apresentado para ele. E é imperativo que esse desafio seja apresentado para o incrédulo - pois do contrário não haverá desafio nenhum -, que por seu princípio (descrente) ele destruirá toda e qualquer verdade e significado. Daí, pela ação do Espírito Santo ele será trazido para o princípio cristão que ele se esforça em destruir. A apologética deve desafiar o não-cristão a abandonar seu princípio último, sua autonomia epistemológica, porque esse é o caminho da destruição da racionalidade.


Mas, como dito, é incorreto entender, por isso, que Van Til se colocou ao lado de B.B. Warfield contra Abraham Kuyper. Para o teólogo de Princeton, a apologética lançaria a fundação na qual a teologia sistemática funciona. Esse sistema precisaria ser fincado na realidade, de forma que a Escritura não seria a pedra fundamental na qual o acadêmico cristão deve proceder. A inspiração das Escrituras seria a última convicção à qual o cristão chegaria depois de fundamentar-se na "reta razão". Antes de termos teologia sistemática, a "reta razão" autenticaria a veracidade das Escrituras, para, então, dentro das Escrituras, nós sistematizarmos os resultados de nossas pesquisas. Para Warfield, portanto, (1) essa perspectiva deve ser anterior ao compromisso com as Escrituras e (2) deve estar de acordo com a "reta razão", i.e., deve ser autônoma (sem referência à fé), como se a ciência fosse um campo comum de interpretação do cristão e do não-cristão. O apologista, por isso, deveria começar a partir do campo neutro da "reta razão", abstrata e comum ao cristão e ao não-cristão, onde Cristo não é a autoridade final, para ser conduzido finalmente às Escrituras e à teologia sistemática, onde Cristo seria a autoridade final. Para Warfield seria possível começar com uma filosofia em que Cristo não é a autoridade última para chegar à teologia onde Cristo é a autoridade última. 


Para Van Til, essa conclusão é esquizofrênica: se Cristo é a autoridade última, Ele não precisa ser autorizado pela autoridade última da "reta razão", que não O pressupõe como autoridade maior. Se a "reta razão" tem a prerrogativa de autorizar Cristo, então ela sempre será última, tomando o lugar de Cristo. Todo ensino cristão e bíblico teria que ser julgado pela "reta razão", precisaria satisfazer a "reta razão", o que nega flagrantemente a natureza da Palavra de Deus como fonte de ensino para o ser humano, em si. Você não pode começar com o princípio de que a razão humana (neutra e autônoma) é última para concluir com um princípio diferente em que Cristo é a autoridade última. A visão de razão neutra, autônoma e hábil para o conhecimento de Cristo como autoridade final ignora as afirmações bíblicas de que o ser humano abusa de seus próprios raciocínios, vãos, e que julga tudo o que vem do Espírito de Deus como loucura e tolice. O homem natural odeia o conhecimento de Deus. Para Greg Bahnsen, a conclusão de Benjamin conduz a uma teologia ruim, onde o homem é a autoridade final, e a uma apologética ruim, onde a abordagem do não-cristão não pode receber objeção.



A RESPOSTA DE VAN TIL







Cornelius Van Til aceita as duas proposições iniciais, de Kuyper e Warfield, e rejeita as conclusões que ambos fizeram, simultaneamente. Há duas ciências, mas é impossível negar a objetividade da Revelação de Deus. A ciência do incrédulo será sempre inconsistente e condenada ao irracionalismo e ao ceticismo. Negar a Revelação de Deus é irracional e o efeito dessa negação produz a ciência do homem natural não-regenerado, que é distinta da ciência do homem-regenerado, porque tem um princípio último diferente, que rouba o lugar de Cristo. A cosmovisão do não-cristão não é racional; o "homem natural" não possui uma "reta razão" como Warfield supõe, porque ele não é capaz de "reta razão" por não ter o princípio correto. O princípio apologético do teólogo de Princeton não está, aos olhos do holandês, em conformidade com sua própria teologia reformada. Van Til afirma que, felizmente, Warfield foi muitas vezes inconsistente, porque diversas vezes ele demonstrou que a ideia de autonomia conduz à destruição da experiência humana, apelando ao que Kuyper fazia, ou seja, apelando ao senso da divindade no ser humano, que está pronto para abrir-se para o princípio cristão, rejeitando finalmente a autonomia. Kuyper também teria sido inconsistente por negar aspectos da apologética que ele mesmo ocasionalmente usou. O teólogo de Amsterdã reforçava a relação entre a autonomia e a oposição à manifestação da Verdade de Deus, mas lembrava que nenhum homem é um "produto acabado", sendo possuidor de um senso da divindade, como um verdadeiro recipiente da Graça de Deus, pronto para receber a apresentação do princípio cristão.


Van Til reconhecia em Kuyper o insight de sua análise da ideia de autonomia em Warfield, a sua insistência de que o Cristianismo é o único sistema inteligível. Por ser indubitavelmente verdadeiro, o sistema cristão pode ser distinguido intelectualmente pelo homem porque foi distinguido para ele por Deus através da Palavra. E sem pressupor essa verdade, não há teologia, filosofia e ciência que possam encontrar significado na experiência humana.


Para Bansen, finalmente, se o doutor Cornelius Van Til não é "O" grande reformador da apologética, ele merece sem dúvida ser colocado entre os responsáveis por isso.

Nota:
Este texto é uma livre adaptação de uma aula de Greg Bahnsen. Parte de seu conteúdo pode ser visto também em seu livro póstumo "Pressupositionalist Apologetics Stated and Defended" e em "A Christian Theory of Knowledge", de Cornelius Van Til.

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