sábado, 18 de fevereiro de 2017

OS PROFETAS DO CAOS



René Girard, em "Aquele Por Quem Vem o Escândalo", nota que a autocrítica é um fenômeno tipicamente ocidental, inexistente em outras culturas. Um insight muito perspicaz, sem dúvidas. Embora possamos rastrear algo desse criticismo na Grécia Antiga, o trabalho de crítica social é próprio da função profética da nação do Pacto na religião cristã. Deus levantava profetas para, baseados em sua Lei, exortar a nação para o arrependimento. E na história da Igreja, esse profetismo manteve-se vivo.

Com a secularização e a perda do conteúdo *explicitamente* religioso, a função profética da igreja sofreu grave abalo na vida pública. Os artistas, afinal, assumiram essa função pra si. Como Rushdoony afirma, com José Guilherme Merquior e Hans Rookmaaker, a arte moderna reclamou pra si a função profética de "crítica da civilização". Baseados, não na Lei de Deus, mas na rejeição cartesiana da objetividade do mundo exterior, os artistas transformaram-se em profetas pagãos do caos, da negação da vida prática e suas leis. Sua pregação é contra as necessidades do mundo material, contra a moralidade e contra qualquer coisa além da própria existência. A arte moderna rejeita "o caráter repressivo da realidade" em favor de uma "mística de liberdade espiritual". Embora prescinda dos valores religiosos cristãos, o artista é essencialmente religioso, em outro sentido.

Como Henry Van Til dissera (e citá-lo já virou quase um clichê), cultura é "religião externalizada". O artista coloca-se acima do mundo e da sociedade, donde todo o seu desdém, sua boemia e seu ódio do mundo real e do trabalho é usado como credencial de sua autoridade espiritual e hermética, acima da opinião comum, como se fossem uma elite de "super-homens" nietzschianos, que coloca-se acima do bem e do mal para pregar, através da arte, o caos próprio das religiões pagãs de fertilidade, e revelar ao homem contemporâneo a absurdidade existencial. Sua postura é sempre a de ruptura e destruição da ordem vigente, e é inescapável que sejam compreendidos como subversivos e arautos da desordem. Trata-se de um fenômeno sempre direcionado para o abismo.

Albert Camus acusou publicamente os filósofos de praticarem o assassinato premeditado sob a chancela da liberdade filosófica. Os artistas, semelhantemente, requerem uma espécie de "foro privilegiado" para sua atitude dissimuladamente religiosa, pagã e neoplatônica, seu ódio do mundo e da classe média, sob a chancela de liberdade artística. Permitem-se, assim, o direito de ofender a sociedade - especialmente a religião - e, quando contrariados, apelam para sua "liberdade de expressão", veementemente negada a quem quer que esboce qualquer julgamento moral. A arte, dizem, é livre do bem ou mal. O único mal é a moral, principalmente a moral sobrenatural cristã, que nega o primitivismo dos impulsos reprimidos do id freudiano.

Há alguns anos, durante um evento cultural na cidade de Oeiras, no sul do Piauí, um artista estrangeiro convidado e financiado pelo governo do estado enfiou uma bandeira do nosso estado no ânus e dançou nu diante da plateia. Isso é arte. E quem não aceita é alienado. Tal retórica canalha é paradoxalmente defendida ao mesmo tempo em que boa parte dos defensores da tradição moderna não percebe a incoerência entre seus clamores por igualdade democrática e o elitismo espiritual do meio artístico moderno em si. O pior é que nossa classe política, algumas vezes até impulsionadas pela boa intenção de incentivar a arte que definitivamente não entende, é completamente despreparada para lidar com o dilema e acabamos, como que por tragédia, sendo obrigados a financiar aqueles que nos ofendem através dos impostos que pagamos.

A arte é essencialmente uma manifestação religiosa e os conflitos que hoje vemos são o sinal da grande crise ocidental denunciada por Spengler e Toynbee.

Nenhum comentário:

Postar um comentário