sábado, 3 de outubro de 2020

A IRONIA DO CONSERVADORISMO

A grande ironia que deveria surpreender e ruborizar os conservadores de youtube atuais é que as liberdades por eles defendidas são fruto da ação revolucionária de Cromwell e de seu exército de puritanos (liberdades estas que, para os conservadores, são desprovidas de sua fonte original e que servem como enfeite para as entranhas de um iluminismo anglo-saxão que é a verdadeira origem do conservadorismo). Os puritanos, mesmo sem terem grande consciência disso, queriam restabelecer a liberdade cristã na Inglaterra, destruída por Henrique VIII, e que nada mais era do que uma versão inglesa do antigo direito canônico. 

Eram os puritanos que apelavam para a história e tradições inglesas contra o absolutismo da Coroa. Mesmo a liberdade de imprensa, hoje defendida por conservadores, foi por eles defendida. Os monarquistas "conservadores" da época eram contrários a ela. As liberdades que os revolucionários americanos queriam defender, segundo Rushdoony, não eram nada além daquelas liberdades estabelecidas durante o regime cromwelliano. O "tradicionalismo" inglês nasceu com uma revolução de "biblicistas", como gostam de zombar os cegos arrogantes que pululam no país hoje graças ao Olavo e aos leitores de orelha do Voegelin.

Fora alguns insights e estudos importantes sobre o desenvolvimento histórico, eu tenho pouco apreço pelo conservadorismo. Conservadores que confundem conservadorismo com cristianismo, do meu ponto de vista, são crianças empolgadas. Se há algo bom no conservadorismo, é o alerta que ele faz contra a ruptura histórica abrupta e contra a esterilidade das leis no coração dos indivíduos. Leis não mudam pessoas; o Evangelho muda. 

Se há algo certo sobre o olavismo, além dos benefícios por ele obtidos contra o movimento revolucionário latino-americano e a renovação editorial no país, é a criação de uma geração de "cristãos" que tornaram-se cristãos sem precisar de Cristo; de católicos que nunca conheceram de fato o catolicismo romano. Gente que se arroga capaz de oferecer a solução para o mundo ocidental assistindo aos vídeos do True Outspeak. "Intelectuais" nandomouristas e terçalivristas que nada fazem além de papaguear máximas do Lênin da Virgínia.

Conservadores brasileiros da estirpe do Brasil Paralelo, então, são coroinhas românticos e bem intencionados que, no meio de algumas verdades importantes, não passam de propagandistas de um passado grandioso e farsesco deste império do bananal que chamamos de Brasil, o país mais cristão do mundo que nunca ouviu o Evangelho.

O ANTICRISTIANISMO ESSENCIAL DA MODERNIDADE E DO CONSERVADORISMO

A modernidade não se manisfesta apenas no anticristianismo explícito de sua revolta metafísica. Em outra de suas facetas, ela abre-se à transcendência, mas apenas de forma vaga. Deus pode até existir, mas é pouco o que podemos saber d'Ele. Só podemos saber d'Ele até onde permite nossa razão.

Esta abertura vaga ao transcendente é também um efeito de uma epistemologia moderna. O conhecimento é embasado na razão humana, simplesmente. Deus é uma "necessidade" e fonte de valor e beleza. Tal abertura vê-se de várias formas na cultura, desde estudos acadêmicos de religião comparada até livros espiritualistas de quinta categoria. No fim das contas, é negado aos cristãos o direito de defender as verdades cristãs como absolutas.

A Revelação bíblica é fundamental para o cristianismo. Negar a autoridade da Revelação, mesmo com a forma de um teísmo academicamente arrumadinho, é uma forma disfarçada de anticristianismo. Nega a autoridade da Palavra do Criador. Russell Kirk afirma que o conservadorismo não possui dogmas; e ridiculariza aqueles que chama de "biblicistas". Os biblicistas não são tão bons quanto os pensadores conservadores para os problemas da vida pública, da prática diária. O que Kirk entende por "pecado original" não é sequer tomista; é erasmiano. Ele explicitamente deseja limitar a influência do cristianismo na política, alegando que ela só pode produzir revoluções pobristas (influenciado pelo infame Voegelin).

O conservadorismo é um pensamento moderno. Edmund Burke estava alinhado com os iluministas de seu tempo. Conservadores parecem mais nominalistas do que gostariam de reconhecer. Alguns, quase que histericamente empiristas.  Conservadorismo não é necessariamente cristão em suas manifestações e não é cristão em sua essência. 

Fora isso, é útil para a compreensão do desenvolvimento histórico e vejo pontos de contato entre algumas meditações de T.S. Eliot e Herman Dooyeweerd. No caso de Scruton, a sensibilidade pela beleza é enriquecedora diante da sequidão da maior parte dos teólogos.


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