"E, demais disto, filho meu, atenta: não há limite para fazer livros, e o muito estudar é enfado da carne." Eclesiastes 12:12
Confesso sentir certo desconforto ao usar o termo "vida intelectual". Sinto uma aura pertinente de soberba e elitismo envolvendo-o. Talvez eu devesse substituí-lo por "vida de estudos" ou "dedicação às letras". Ou talvez esta aura seja necessária para que este hábito receba a honra que lhe é devida. Ser "doutor na lei", por exemplo, tem posição especial na hierarquia de valores. A dedicação às letras também. Deus criou-nos para desbravar a criação como bons zeladores.
O que quero dizer é que a "vida intelectual" tem ônus e bônus. No começo, principalmente, ela traz angústia, raiva, desorientação e, principalmente, ansiedade. Temos ansiedade para achar as respostas que queremos. Temos ansiedade para entender o que certo termo significa ou entender determinada discussão que julgamos importante. É preciso ter em mente que a vida intelectual não lida com respostas matemáticas. Nem sempre podemos encontrar certezas absolutas para determinadas questões, porque, afinal, somos limitados. Não podemos ver a história como Deus a vê. Não temos acesso a todas as informações, nem a todas as opiniões. Lidamos com probabilidades, tendências e com os poderes da lógica e da retórica. Comumente, lidamos com a má-fé do coração humano. Escritores também são pecadores. Assim como leitores também são pecadores. E ideias têm consequências.
Sentimo-nos como navegantes em um mar bravio, levados por fortes ventos para onde não queremos ir; correndo o risco de tombar por uma alta onda. Se não tivermos uma bússola, instrumento básico de navegação, na menos ruim das hipóteses, nos perderemos. Se não tivermos um norte e o céu estiver nublado, não teremos estrelas para nos guiar. E o norte intelectual do cristão é Deus, Sua Revelação e sua tradição teológica (se esta for sadia). Se um estudioso cristão não estiver bem firmado nestes três pilares, ele se perderá. Ou até afogará a própria alma no mar de opiniões.
É preciso ter paciência e resiliência para ler os argumentos que ameaçam nossas crenças mais santas e continuar com os pés firmes no mundo real. Algumas palavras são capazes de rasgar nosso coração como punhaladas. E como dói! É difícil terminar alguns parágrafos. Desviamos o olhar daquele livro que nos desagrada durante alguns dias. Mas depois de respirar, terminamos aquele capítulo amargo, ainda sem solução. Saímos para jantar com a família, ouvimos música e trocamos piadas com os amigos. Quando temos a solidez teológica, podemos seguir com alguma serenidade em meio ao mar revoltoso, sabendo que o barco aguenta. Tendo confiança de que o Deus que comanda os ventos, como naquela noite com os apóstolos, nos guiará para as respostas de que precisamos, para Sua própria Glória. Há uma premissa que eu não abandono: "já deixei minha alma perdida por muitos anos, sei que Deus está certo e que Sua Palavra é verdadeira, que o ser humano é vil e suas opiniões tantas vezes serviram-me palavras envenenadas; só preciso encontrar a resposta."
Dooyeweerd orava a Deus por sua filosofia, Thomas Reid labutou durante vinte anos para responder David Hume. E quando este momento chega, nossa alma se regojiza e finalmente entendemos o porquê desta paixão ter-nos guiado até lá. Isto é, se Deus nos der a Graça para tanto. Mas a Graça de Deus para o conhecimento humano nunca será infinita neste mundo. A onisciência, Deus guarda-a para si. Quando um horizonte é alcançado, outro passa a existir. E sei que chega a hora em que dizemos: meu Deus me trouxe até aqui, apenas. Outros desbravadores terão que alcançar aquele outro mar. E há mesmo aqueles mares que Deus nos proíbe de investigar. Há certas coisas que nunca entenderemos completamente; por enquanto, "vemos como por espelho".
É por isso que a primeira obrigação intelectual de um cristão é para com a sua própria fé - conselho que eu mesmo preciso escutar um pouco mais. Sábio, na Bíblia, é aquele que conhece a Lei de Deus. E é agradável a Deus que o homem goze o fruto de seu trabalho.
V.B.