O PARAÍSO DAS MULHERES
Por R. J. Rushdoony
A calúnia muda sua base sem demora, porque ela está mais
preocupada com o que vai machucar do que com a verdade. Em eras diferentes,
acusações diferentes machucam mais. O que em um período pode ser uma acusação
dolorosa pode se tornar uma honra em um outro dia.
Isso era certamente verdade de Calvino, e da Genebra nos
dias de Calvino e no seu tempo de influência. Como Gilliam Lewis e Roger
Stauffenegger pontuaram, a Genebra de Calvino ficou conhecida como “o paraíso
das mulheres”. ("Calvinism in Geneva in the Time of Calvin and
of Beza (1545-1605)," in Menna Prestwich, ed.: International
Calvinism 1541-171.5, p.49. Oxford, England: Clarendon Press, [1985]
1986.) Havia boas razões para isso. Calvino foi um forte defensor dos “direitos
das mulheres”. Sob sua liderança, os consistórios da igreja foram atrás dos
abusadores domésticos. Eles processaram guardiões que desapropriaram fundos de
pensão de órfãos e viúvas. Esposas abandonadas foram protegidas, e assim por
diante. Prestwich referiu-se à atração do calvinismo para as mulheres nessa
área ("Calvinism in France,
1555-1629," in ibid., p. 96.)
Naquela era, e por séculos anteriores, homens e mulheres
prósperos e poderosos contraíram matrimônio com muitas jovens mulheres e
homens. As famílias dos jovens consentiam com esses arranjos por suas vantagens
pessoais. Calvino sentiu profundamente que esses casamentos não deveriam ser permitidos.
Em janeiro de 1557, o Consistório dissolveu o casamento entre uma mulher com “mais
de 70 anos” e um homem de 27 ou 28. (Philip E. Hughes, ed: The Register of the Company
of Pastors of Geneva in the time of Calvin, p. 321. Grand
Rapids, Michigan: Eerdmans, 1966.) Leis foram publicadas para proteger ambos
homens e mulheres no casamento. Para evitar fraudes, muitas leis foram estabelecidas.
Assim, “estrangeiros vindos de um país distante” não tinham permissão de casar
em Genebra antes que uma cuidadosa investigação sobre seu passado e sua família
fosse feita. (Hughes, p. 75.) Uma mulher perseguida por sua fé podia
legitimamente deixar seu marido. (Hughes, p. 197.)
Seria um erro dizer que os pastores de Genebra sempre foram
sábios em julgamentos de casos envolvendo mulheres. O que está claro é que a
Genebra Calvinista era vista em seus dias como “o paraíso das mulheres” por
causa da receptividade de Calvino e outros para seu empenho e necessidade de
justiça. Havia uma razão para essa atitude. Ela era o reavivamento do Velho
Testamento como uma parte inseparável da Bíblia; o Novo Testamento era lido
como uma parte essencial do Velho Testamento.
E porque o Velho Testamento liga solidamente a santidade à
lei, e a lei está preocupada com a vida diária, o resultado foi o que Henri
Hauser chamou de “secularização da santidade”, i.e., a santidade foi feita
matéria da vida diária para todos os crentes.
A santidade agora era um objetivo de todos os cristãos. Isto era, nas
palavras de Luthy, uma “insistência na vida santificada como objetivo de todos
os crentes.” (Herbert Luthy, "Variations on a Theme by Max Weber," in
Prestwich, p. 381) Calvino disse de
Lucas 6:35 que é nosso dever fazer o bem sem fazer nada em troca; nós devemos
exercitar uma bondade nobre, não mercenária, por termos recebido graça, nós
deveríamos portanto manifestar graça. (Calvin: Harmony
of the Evangelists, I, p. 302f.)
Nós temos um fato notável aqui na reforma que Calvino
promoveu em Genebra. Ela era uma cidade corretamente chamada em seus dias de “paraíso
das mulheres”. Este é um aspecto da Reforma para o qual foi dada atenção
insuficiente. A razão é que essas
reformas nas leis civis e eclesiais que fizeram Genebra tão notável em seus
dias estão agora associadas ao “patriarcalismo”, e patriarcado é uma palavra
odiada pela feministas (tanto as de saias quanto as de calças). Ela sugere uma
visão de opressão masculina, dominação e regra. Ela tornou-se símbolo de males
passados e presentes.
O fato significante, entretanto, é que aquele “patriarcalismo”
não era centrado no homem, mas centrado na governança da fé e da família.
Homens modernos na família atomística comumente têm maior poder, se eles
escolherem exercê-lo, do que tinham os homens “patriarcais”. A razão é muito
clara: o “homem patriarcal” era um administrador do passado para o futuro. Em I
Reis 21, nós vemos que Nabote não sentiu que ele tinha o direito de vender as
terras da família, não importasse quanto dinheiro o rei Acabe oferecesse. A
terra não era sua exceto como uma confiança de seus antepassados para os
não-nascidos.
O apelo da vida existencial é que ele limita todo o poder e
direito ao momento presente. O “homem existencial(ista)” não vê
responsabilidade para com o passado ou para com o futuro, nem para com qualquer
coisa momentânea que não seja seu desejo e vontade. É por isso que, dada
qualquer oportunidade, o "homem existencial” é sempre tirânico e
opressivo: ele fará o que fará com a segurança de não incorrer em nenhum
julgamento imediato. Tanto o poder quanto o “direito” são limitados ao momento
e à sua vontade. O que não acontece com o “homem patriarcal”. Ele é ligado a
responsabilidades, à família e a outras pessoas. Sua esposa é sua parceira e
vice-gerente nas responsabilidades e ambos precisam estar orientados em direção
ao futuro.
O feminismo, como o machismo, são existencialistas e orientados
em direção ao presente. Não têm qualquer senso de comunidade ou de harmonia de
interesses. Tanto feministas quanto machistas acreditam que existe uma guerra
dos sexos e saem para vencer essa guerra.
Como bons darwinistas, eles acreditam na sobrevivência do mais apto numa
guerra cósmica pela sobrevivência. Desde que o universo não tem lei ou moralidade
em sua fé, os mais aptos são simplesmente os sobreviventes, aqueles cuja radical ausência de raízes e preocupação
por moralidade os habilita para sobreviver.
Para todas essas pessoas, o patriarcado é uma armadilha, porque ele pressupõe, a despeito da Queda e da depravação humana, a sumidade e triunfo da Lei de Deus. O universo é então um universo moral. Como Débora declara em sua canção, “Até mesmo as estrelas lutaram! Deixaram as suas órbitas para pelejarem contra Sísera.” (Juízes 5:20)
Para todas essas pessoas, o patriarcado é uma armadilha, porque ele pressupõe, a despeito da Queda e da depravação humana, a sumidade e triunfo da Lei de Deus. O universo é então um universo moral. Como Débora declara em sua canção, “Até mesmo as estrelas lutaram! Deixaram as suas órbitas para pelejarem contra Sísera.” (Juízes 5:20)
Uma cultura bíblica, "patriarcal", vê o
conflito essencial da vida como um conflito moral, não um conflito pessoal.
Como estudante, eu escutei um professor, não favorável ao “patriarcalismo”, chamar
sua característica principal de hospitalidade, e abertura para as pessoas. Ele
citou como reveladoras a resposta de Abraão aos três estranhos: ele convidou-os
a compartilhar seu sal e sua vida. (Gênesis 18)
O atomismo social moderno, contudo, vê todos
os homens como inimigos e transforma o mundo em um lugar hostil. Classe é
colocada contra classe, e raça contra raça. Woodrow Wilson, eleito
presidente dos EUA, enquanto estudante de Princeton, compartilhou o ódio de
estudantes contra jovens da cidade, chamados de “esnobes” em Princeton, e
escreveu, “Nós ainda precisaremos matar alguns daqueles esnobes antes que eles
aprendam a ter prudência.” (Jonathan
Daniels, "Woodrow Wilson's Pious Young," in The New Republic, October 29,1966,
p. 28; vol. 155, no. 18.) Wilson, é claro, não tinha qualquer plano de
assassinato, mas ele gostava de pensar nesses termos. Não surpreendentemente, ele ajudou a avançar
a causa do conflito de classes. Mesmo
que ele sonhasse com um mundo tornado seguro pela democracia, ele avançou as
divisões sociais com seu pensamento.
A cultura bíblica, "patriarcal", é agora muito desprezada por
aqueles que, como humanistas, odeiam soluções morais. Para eles, nossos
problemas não devem ser diagnosticados como rebelião contra Cristo e contra a
Lei de Deus, mas como um problema de
conflitos econômicos, tensões entre classes, e condicionamentos sociológicos de
uma natureza regressiva e sociopática. Calvino é pra eles um símbolo de
respostas ruins, e um livro recente vê Calvino essencialmente como um homem “doente”!
O livro fala-nos mais sobre o autor do que sobre Calvino.
Citei em certa ocasião, numa preleção, o trabalho do bispo St.
Charles Borromeo, cujo trabalho era “dar dotes de matrimônio para garotas sem
dinheiro cujo destino de outra maneira seria as ruas,” e ainda a pensionatos
para pessoas de ruas em seus dias, orfanatos, uma casa para ex-prostitutas, e
uma casa para mulheres casadas desventuradas. (Margaret Yeo: Reformer:
St. Charles Borromeo, pp. 115, 228f. Milwaukee, Wisconsin: Bruce,
1938.) A resposta às vezes é fria. Problemas “sociais”, muitos afirmam, deveriam
ser administrados pelo estado, não por “amadores”.
Quando nós despersonalizamos os problemas de homens e
mulheres, nós também despersonalizamos a nós mesmos. Reduzimos as pessoas a
cifras matemáticas cujas respostas estão nos atos do Congresso ou do Parlamento.
Nós negamos Cristo e o Cristianismo em favor do estado e seus assistentes
sociais. Borromeu em Milão e Calvino em Genebra deram-nos outra resposta.
Mas para muitos hoje, Genebra não poderia ser o “paraíso das
mulheres”. Afinal, Genebra não tinha nenhuma Emenda de Direitos Iguais! Paulo
nos diz, entretanto, que “Onde está o Espírito, aí há Liberdade.” (II Cor
3:17), e este é o Espírito que nos deu a Lei e os Evangelhos. Se nós não
buscamos nossas respostas no Senhor e em Sua Palavra, nós somos parte do
problema.
Rushdoony, Roots of Reconstrution, p. 407.